Coluna da Segunda-feira

Lições que todos aprendem, ensinamentos que ninguém usa

Renato Nunes
Fim de campanha, hora do acerto de contas com a justiça eleitoral. Fui à Nossa Caixa fechar minha conta de candidato. O apoio financeiro que recebi foi uma merreca, o que correspondeu a uma merreca de votos, 107. Fechar as contas foi facílimo, aceitar o resultado, dificílimo.
Fiquei inconsolável. Como é possível, eu! Logo eu, super escolado nas quebradas do mundaréu. Eu, que quando menino ouvia o Repórter Esso no rádio relatando as últimas notícias do “front” da segunda guerra, que vivi a choradeira do Maracanã 1950, o suicídio do Getúlio. E depois, na faculdade de arquitetura vibrando com os meus professores que participaram do concurso do Plano Piloto de Brasília vencido pelo Lucio Costa, o momento mágico do Cinema Novo, das façanhas do JK o presidente Bossa Nova, culminando tudo no esconde-esconde com meus amigos em 64/68. Vivi momentos épicos da história pátria e não quiseram me dar a oportunidade de usar toda essa experiência, e blá, blá, blá, reclamei mesmo.

Os caras da mesa do lado vendo que eu não parava de choramingar e aumentar a minha própria importância não se contiveram. Um deles, o mais velho do grupo olhou pra mim e serenamente disse:

“Vosmecê num sabe pruquê num foi eleito?”
Claro que sei, por causa da ignorância do povão, devolvi logo na bucha.
“Nada disso, vosmecê num foi eleito pruquê num teve voto. Só isso. Tivesse, tinha sido. Essa história du Maracanã, du Getúlio i tudo mais é a sua história, num é a du povão. Que qui importa isso pro povão? Importa prus seus filhos, seus amigos, vai vê só eles votô em vosmecê. Até qui vosmecê podia dizê qui tem muito amigo, mais di cem.”

Calei-me. Fiquei pensando que talvez o homem tivesse razão, é preciso muito mais do que amigos para se ganhar uma eleição. Histórias de vida existem, e com certeza mais importantes do que a minha, mas, só isso também não resolve. O que será que leva as pessoas simples, a multidão, a escolher um nome em quem votar? Será que eles se informam antes sobre quem é o cara, o que já fez? Acho que a grande maioria não, senão a justiça eleitoral não proibiria a boca de urna, momento último do abafa, quando, na hora H ali na cabine, o sujeito não sabe que está sozinho diante do futuro. Se ele soubesse ou acreditasse nisso teria se preparado para esse momento. O que ele sabe é que está ali por obrigação. Se não votar tem multa, tem amolação no emprego, uma chateação sem fim.
Chamei o garçom; - ô Galileu Cachaça, traga mais uma geladinha!
Nome esquisito desse garçom, um dia perguntei a ele o porquê desse apelido e ele disse que Galileu foi um cientista que sacou que a Terra gira em torno do sol e ele sacou que a cidade gira em torno do copo. Como ele está sempre pronto para enchê-lo, foi batizado pelos fregueses de Galileu Cachaça.

Parece que adivinhou meus pensamentos porque chegou logo falando enquanto abastecia a tulipa:
“Desculpe me meter seu Doutor, mas é que não pude deixar de ouvir e acho que o homem da outra mesa tá com a razão. O senhor tem seus amigos, agradeça a eles os votos que teve, mas os outros eleitores também têm amigos candidatos, ora! Quem não tem amigo ou não se importa com quem deve ser eleito, vota por obrigação. Esse tá maduro pra vender o voto, trocar por um favor. Toda essa conversa de consciência cívica na hora do voto vai pro vinagre. Será que as autoridades não perceberam ainda que consciência é o oposto de obrigação? Que obrigação anula a consciência? Como pode então pedir uma coisa e mandar fazer outra, logo pro povão que sofre na mão de político? Isso de votar por obrigação muda tudo no resultado, pior pra cidade.”

Puxa vida, Cachaça, é isso aí! Mas voto obrigatório é lei, e lei só muda no Congresso. Como é que você acha que pode mudar se quem está lá dentro foi eleito nesse sistema. Não vai querer mudar nada. Você sabe que o Congresso está cheio de donos.

“Mas tá mudando Doutor. Eu ouvi aqui outro dia que tem uma bancada de gente nova lá em Brasília chamada Arrumando a Casa, são de vários partidos. Eles estão com um projeto de lei muito avançado e bem apoiado no plenário. Só estão encontrando resistências no bloco do Deputado Sperando Beneficius, mas é certo que o time desse deputado vai perder.”

Nesse momento tocou aquele despertador infernal, dei um pulo na cama e devo ter ficado com uma cara muito esquisita.
“Que aconteceu? Você tá com cara de susto e rindo ao mesmo tempo”, perguntou minha mulher.

Engraçado, respondi, tive um pesadelo que virou sonho!

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Mosca-dragão

Pegoava?

Jundu