Reflexões

Domingão

Sidney Borges
Sinceramente não tenho paciência para ver futebol na televisão. No estádio ainda passa, tem as pessoas para distrair, a ola, os helicópteros, as brigas, não é preciso ficar atento ao vai e vem da bola. Na telinha não há espaço para respirar, fora as brilhantes frases do filósofo Galvão Bueno, tudo é muito chato. Tentei abrir uma exceção para as Olimpíadas, dei com os burros n’água. Levamos um baile da Argentina, o que para mim constitui a suprema humilhação do futebol brasileiro. Perder pode, da Argentina não. Enfim de um jeito ou de outro acabamos ganhando a medalha de bronze. Uma medalha na mão é sempre bom, nossos atletas lutaram bravamente por elas e se não fossem os estrangeiros teríamos ganhado muitas. Sartre dizia que o inferno são os outros. Eu me lembro da minha primeira medalha. Minha avó paterna me deu. Como eu era o primeiro neto ganhei ouro, foi o começo de uma brilhante carreira de neto. A medalha era de São Judas Tadeu, eu tinha feito a promessa de colocá-la em uma correntinha de ouro. Acabou não acontecendo. O acordo com a minha avó envolvia o seu José Dentista, que combinou me fazer um dente de ouro em três pagamentos sem juros. Também tinha um casaco de couro na jogada. Dente de ouro, casaco de couro e correntinha com medalhinha no pescoço. Só faltava a camisa de seda e o peito peludo. Meu pai disse que eu ia parecer bicheiro e não deixou, o que me causou grande mágoa. O bicheiro do bairro sempre me pareceu um homem respeitável. Dirigia um Cadillac conversível e usava sapato de duas cores combinando com o cinto, além de cabelos penteados com glostora. Chique, era assim que eu o via. Enfim, fui programado para ser doutor e assim minha carreira de bicheiro acabou antes de começar. Também imaginei ser bombeiro, centro-avante da seleção e piloto. Eu nunca quis ser dentista ou bancário. Com sete anos queremos muitas coisas que acabam não se realizando. Mudando um pouco de assunto, lembrei-me de um arquiteto do interior de São Paulo. Chamado por uma importante empresária da noite para projetar e construir uma casa de folguedos, fez um verdadeiro palácio. No dia da inauguração a esposa o acompanhou para a cerimônia de corte da fita. A solenidade não aconteceu, ao constatar a presença da digníssima consorte os freqüentadores deram de banda, saíram de fininho. Ela era amiga das esposas. Como explicar a presença em campo minado? Mesmo com esse fiasco a casa é um sucesso, sempre prestigiada por um ex-ministro que tem a lingüinha presa e pede sopa de massinha.

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