Não me ufano!

Internet livre: portaria do TSE é censura. E é inconstitucional!

Reinaldo Azevedo
Uma coisa importante, que nos diz respeito de perto, será debatida hoje no Tribunal Superior Eleitoral: a liberdade de expressão na Internet. Faço algumas considerações prévias importantes até chegar ao mérito. Ah, sim, espero que o ministro Ayres Britto considere que nós todos também somos índios. Vamos lá.
O Brasil tem uma Lei de Imprensa estúpida, de 77 artigos, feita em 1967, durante a ditadura, e que está caduca desde a Constituição de 1988. Por quê? Porque essa lei prevê, entre outras coisas, a censura, o que é vetado pelos artigos 5º e 220 da Carta. E não é só. Ela tem um conjunto de flagrantes incompatibilidades com o texto constitucional. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ) levou a questão ao Supremo, e o ministro Ayres Britto (sim, o mesmo da Raposa...) fez a coisa certa: concedeu uma liminar declarando sem efeito 16 artigos integrais e partes de outros quatro. Mesmo assim, sobrou muito entulho nos outros 57... Mas isso fica para outra hora.
Pois bem. A Lei de Imprensa não tem sido, por conta da Constituição, empecilho importante à liberdade de expressão. O inimigo da hora é a Resolução 22.718, do Tribunal Superior Eleitoral – que, santo Deus!, é flagrantemente inconstitucional. E digo por quê.
Observem o que dizem estes incisos do artigo 5º da Constituição:
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;
Agora vejam este trecho do artigo 220:
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.Não é mesmo coisa de país civilizado? É sim. A barbárie da censura nos chegou, vejam só, não via Lei de Imprensa, mas justamente por intermédio da Resolução 22.718. É aquela que levou alguns juízes eleitorais a multar jornais por terem publicado entrevistas com candidatos: a resolução chama entrevista de “propaganda”.
No caso da Internet, o que dispõe a portaria? Leiam trechos:
Art. 18. A propaganda eleitoral na Internet somente será permitida na página do candidato destinada exclusivamente à campanha eleitoral.
Art. 19. Os candidatos poderão manter página na Internet com a terminação can.br, ou com outras terminações, como mecanismo de propaganda eleitoral até a antevéspera da eleição (Resolução nº 21.901, de 24.8.2004 e Resolução nº 22.460, de 26.10.2006).
§ 1º O candidato interessado deverá providenciar o cadastro do respectivo domínio no órgão gestor da Internet Brasil, responsável pela distribuição e pelo registro de domínios (www.registro.br), observando a seguinte especificação: http://www.nomedocandidatonumerodocandidato.can.br, em que nomedocandidato deverá corresponder ao nome indicado para constar da urna eletrônica e numerodocandidato deverá corresponder ao número com o qual concorre.
§ 2º O registro do domínio de que trata este artigo somente poderá ser realizado após o efetivo requerimento do registro de candidatura perante a Justiça Eleitoral e será isento de taxa, ficando a cargo do candidato as despesas com criação, hospedagem e manutenção da página.
§ 3º Os domínios com a terminação can.br serão automaticamente cancelados após a votação em primeiro turno, salvo os pertinentes a candidatos que estejam concorrendo em segundo turno, que serão cancelados após esta votação.

Voltei

Como se vê, a vocação legiferante e burocratizante do Brasil deixa as especificações do Levítico no chinelo. É impressionante! Essa estrovenga tem servido de pretexto para cassar da Internet, especialmente do Orkut, páginas de simpatizantes deste ou daquele candidatos, mas também algumas outras que nada mais fazem do que debater as eleições. Em qualquer caso, trata-se de um absurdo. Ora, eleição é justamente um dos momentos de celebração da democracia. Como compatibilizar o que vai acima com o que está escrito na Constituição?
O TSE estabeleceu para a Internet as mesmas restrições que vigoram paras TVs, também elas caducas e, entendo, inconstitucionais. No capítulo VI, proíbe-se:
III – veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido político ou coligação, a seus órgãos ou representantes (Lei nº 9.504/97, art. 45, III);
IV – dar tratamento privilegiado a candidato, partido político ou coligação (Lei nº 9.504/97, art. 45, IV);
V – veicular ou divulgar filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa com alusão ou crítica a candidato ou partido político, mesmo que dissimuladamente, exceto programas jornalísticos ou debatespolíticos (Lei nº 9.504/97, art. 45, V).

Só parece...

Parece razoável? Pois é. Só parece. Afinal de contas, o que significa exatamente veicular uma “opinião favorável”? Se afirmo que Kassab investiu R$ 1 bilhão no Metrô e que Marta não investiu nenhum tostão, muitos dirão, como já disseram, que é opinião favorável ao democrata. Mas isso é só um fato. O que significa dar “tratamento privilegiado” ou fazer uma “alusão dissimulada”? Isso abre terreno para as interpretações as mais estúpidas.
Nada, nada mesmo!, dessa porcaria censória é necessária. Não faz sentido ficar especificando como as pessoas devem exercer a liberdade de expressão e opinião. Que exerçam como quiserem. E que respondam na Justiça por aquilo que disserem. É assim que se faz na democracia. A portaria 22.717 tenta censurar o pensamento para evitar que as pessoas caiam em tentação.
É uma aberração! É inconstitucional. Ayres Britto é o atual presidente do TSE. Contamos com ele. Ministro, nós também somos índios. Também somos homens bons! Garanta-nos o que já nos garante a Constituição. (Reinaldo Azevedo)

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