Cinema

A libido é a última que morre

Guilherme Fiuza
Nesses tempos populistas de elogio da mediocridade, de ignorância is beautiful, com a patrulha cobrando pedágio de tudo que é pensado, alguns insistem em desafinar.
Aqui vai a denúncia: tem gente por aí fazendo cinema sem contrapartida social. Filme com ideologia zero, em que não passa nenhum pobre pela tela em mais de uma hora de exibição.
Pior: tem um filme chegando na praça que fala de três velhos. Nenhum take sobre previdência social, sobre inclinações políticas, sobre questões de classe, sobre conflitos raciais, sobre os direitos dos gays ou das mulheres. Aliás, fora a rápida aparição de uma caseira – que não é oprimida –, não tem mulher em cena.
São só três velhos.
O alienado em questão é o diretor Domingos Oliveira. Ainda por cima chamou o filme de “Juventude”.
Paulo José, Aderbal Freire-Filho e o próprio Domingos são três amigos na faixa dos 70 anos que se encontram sozinhos numa casa de campo – sem esposas, sem famílias, sem pretextos sociais, profissionais ou recreativos.
Também não estão ali para desfiar o passado, embora falem dele. Estão ali para transmitir a todos os não-velhos uma mensagem cortante: a suposta relação entre velhice e placidez é um mito.
O Davi de Paulo José é um engenheiro rico, que vive um casamento longo e sólido. O Antonio de Domingos é um escritor que coleciona grandes paixões, a última por uma mulher bem mais jovem. O Ulisses de Aderbal é um médico dedicado, que se orgulha de ter transado com praticamente todas as mulheres que quis. Todos têm filhos. Nenhum tem a vida resolvida.
Estão todos duelando com seus sonhos, frustrações e desejos. Não são os mesmos dos homens de 30, nem dos de 50, mas estão lá. Intensos. Repletos de dilemas e inquietudes. Um crepúsculo com baixos teores de resignação.
No fim-de-semana campestre dos três amigos, aparecem os problemas de saúde, a noção da vizinhança com a morte, a experiência de vida, o arsenal de lembranças. Mas nada disso os torna contemplativos. São mais do que nunca protagonistas de suas vidas. Nada desse papo de velhos barcos atracados no cais e repletos de histórias. Eles querem é navegar.
Dinheiro, amor, sexo, vaidade, planos. Está tudo vivo nos homens de 70. Eles só têm menos tempo para resolver seus problemas – e criar novos.
Aos que estão ainda distantes dessa faixa, em plena roda-viva dos sentidos, cumprindo a gincana frenética da vida, assistam a “Juventude” e concluam: a busca não acaba nunca. Ou, como diria o velho guerreiro, só acaba quando termina.
PS: Em Gramado, Domingos Oliveira ganhou os prêmios de melhor direção e roteiro. Vai ter que filmar uns três bangue-bangues na favela para não ficar devendo contrapartida social na praça.
(Guilherme Fiuza Política e tudo mais)

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