Crônica

O melhor dos tempos...

Luís Fernando Veríssimo
Na prospecção do passado atrás das raízes da Bossa Nova, no ano dos seus 50 anos, perfuraram um veio de nostalgia. Não se fala nas origens da Bossa Nova sem falar com saudade do Rio de Janeiro daquele tempo, e o enlevo se justifica: era mesmo uma cidade melhor, vivendo um tempo muito melhor. E para nós os carecas aquele tempo tem um atrativo adicional, alem de todas as amenidades perdidas: tínhamos 50 anos a menos. Mas me pergunto - e não me respondo, porque não sei, e porque não falo com qualquer um - se a nostalgia não é um pouco exagerada.
Lembro que quando cheguei no Rio em 1962 um dos grandes problemas da cidade era a falta d´água, principalmente na Zona Sul. As pessoas eram obrigadas a encher suas banheiras de água prevendo os freqüentes cortes no suprimento. Era uma irritação menor, comparada com as delícias do trânsito calmo e da vida segura, mas dificultava o convívio civilizado, ainda mais no calor.
Era um tempo de otimismo e criatividade inéditos, certo, mas já estávamos vivendo os prólogos do golpe de 64. O presidente bossa nova, Kubitschek, acusado de corrupção, não tinha feito seu sucessor e em seu lugar entrara Jânio Quadros com sua vassoura e sua loucura, que durara pouco. Jango se equilibrava na presidência, os militares conspiravam e se você quisesse puxar uma briga em qualquer grupo que estivesse era só fazer uma declaração a favor ou contra o Lacerda. Nesse ambiente, o amor, o sorriso e a flor se desmanchavam depressa demais.
Tenho razões pessoais para recorrer à velha frase dickensiana e dizer que era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos. Melhor porque eu tinha 26 anos e estava na cidade mais hormonal do mundo. Pior porque eu planejava ganhar dinheiro para aproveitar esta situação, antes de ir para Londres fazer cinema, mas não tinha muitas perspectivas. Uma vez, por uma rara benção cuja razão não lembro, me vi almoçando no Ariston, que ficava na rua Santa Clara e era um dos melhores restaurantes da cidade, e pensando: isto sim é que é uma vida carioca. Minhas experiências gastronômicas mais comuns eram as massas da Spaguetilândia e os pedaços de pizza do Beco da Fome, na Prado Junior. Talvez meu ceticismo com essa evocação da maravilha que era o Rio na época venha daí: vivendo do dinheiro que recebia de casa, sem futuro aparente, via a época de fora. Mas até hoje recordo o cheiro de asfalto e maresia da velha Avenida Atlântica e sinto saudade.

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