Pensata

Caiçara...

Benedito Prezia, antropólogo e mestre em toponímia (nominação de lugar) pela Universidade de São Paulo (USP), respeitado autor de livros sobre a questão indígena e que trabalha junto às comunidades indígenas do Estado de São Paulo, explica-nos que, ao pé da letra, por assim dizer, o nome origina-se da palavra tupi kaaysa, que significa cerca de galho, usada para pegar peixe ou fortificação construída para defender a aldeia. Caiçara passou a ser então o homem que vive desse tipo de pesca, capturando peixes nessa armadilha rudimentar, feita com galhos de árvore do manguezal.
Mas também é traduzida por outros mestres, doutores e especialistas como grupo de pessoas que criou uma independência econômica e cultural, mesclando técnicas e conhecimentos iniciados pelos índios, um dos povos mais representativos dos processos de interação pacífica entre homem e natureza, otimizando o aproveitamento dos recursos naturais da Mata Atlântica, portador de um desenvolvimento ímpar através de um complexo sistema de atividades que se complementam, com destaques para as atividades de origem indígena como o sistema agroflorestal de manejo, a agricultura de coivara (pousio), a pesca, a captura de animais, a coleta de moluscos e crustáceos e confecção de grande parte de utensílios de uso e trabalhos diários. Cada família possui uma área de plantio e uso dentro de uma área maior, que possibilitam o descanso da terra onde a vegetação se mantém e onde em determinados momentos se realiza o extrativismo, principalmente para o artesanato. Esta população adquiriu um vasto conhecimento de plantas nativas da Mata Atlântica e suas utilidades, onde muitas delas são usadas como remédios eficientes. Toda esta sabedoria, esse conhecimento adquirido em séculos de existência é traduzido cientificamente como etno-conhecimento, isto é, simplificando tudo, trata-se de sabedoria popular. Tudo através da tradição oral e conduzido pelo ritmo da natureza, o ciclo de reprodução, da coleta, da captura de animais, das plantações, dos ventos, dos mares, do deslocamento das aves, e principalmente no que se refere ao manejo correto, único, típico e exclusivo de espécies de nossa fauna e flora para uso, habitação e alimentação, para que fique mais claro do que se trata, ele é um ser nativo, como uma árvore, faz parte deste meio, deste habitat. Trata-se pois, não de uma espécie exótica e muito menos de uma espécie invasora que quer mudar a paisagem de acordo com outros métodos não originais. Método certo é aquele que faz parte de sua cultura e tradição, o método natural.
Infelizmente tudo isto está entrando em fase de extinção, quando se tira um morador tradicional da lida, do contato tradicional com a terra e com o mar, joga-se a cada dia um pouco deste conhecimento no lixo. O sistema em moldes capitalistas, a especulação imobiliária, a biopirataria e a criação de Unidades de Conservação em moldes americanos como é o caso do Parque da Serra do Mar, que exclui o morador tradicional do contato com o meio ambiente, dá-se destino a morte de um povo, sua cultura, seu conhecimento, sua vida, pois realiza-se estes óbitos através de meios legais, porém imorais, que nestes últimos 30 anos, isto é 10.950 dias faltou com o devido respeito e virou as costas para a uma fase importante da Memória Nacional Brasileira. Lembre-se de que o caiçara tem uso cerimonial, quase que religioso dos recursos naturais a sua volta, pois se existe o verde hoje, ele foi o responsável por esta abundância, que atualmente querem o classificar como "inimigos do verde" e expulsar quem cuidou com tanto carinho dos recursos que tanto necessita para trabalhar.
Mas isto pode mudar, tem que mudar, esta classe sofredora e silenciosa pode ser reconhecida, isto é, poderá oficialmente ser "gente" que tem seu valor, reconhecido pela história. Que digam os especialistas.


Ezequiel dos Santos
ezequiellitoral@hotmail.com

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