Caso sério

Tiros e pneus

Tem gente azararada neste mundo. Acabo de ler que a roda traseira de um ônibus se soltou e matou um pacato cidadão que esperava no ponto. Testemunhas disseram que o morto antes de morrer dormia e roncava. Dormia no ponto e morreu roncando sem dar um pio. Pobre diabo, em vez de embarcar no ônibus, embarcou no rabecão. A única compensação é que mortos não pagam impostos. Nem são obrigados a assistir programas políticos na televisão, que sem Enéas e Avanír, perderam a graça. Certa vez, há muitos e muitos anos, a válvula do pneu de um caminhão saiu e matou uma moça grávida que passava na calçada. O motorista nem percebeu. A causa da morte foi conhecida apenas depois da autópsia. Pelas características do ferimento, um buraco na fronte, a polícia suspeitou de calibre 32. O ex-marido tinha um Taurus 32. A arma mostrava sinais de ter sido disparada recentemente. Preso para averiguações ele, com um palito no canto da boca e barba por fazer, alegou ter limpado a arma e dado alguns tiros. Ninguém acreditou. As velhinhas beatas que depositavam flores diariamente no local do acidente pediam pena de morte. Que morra o desgraçado gritavam em coro. Esfolem, espetem, arranquem o escalpo. Uma vez estabelecida a verdade o rapaz saiu da cadeia e abraçou a vida eclesiástica, tornando-se padre. A vida no cárcere despertou nele a fé que jazia adormecida pela existência mundana e hectolitros de cerveja. Anos depois, velho e cansado o religioso ganhou na loteria esportiva e renegou a fé. Abandonou a batina e casou-se com uma ex-chacrete, que o matou para ficar com o dinheiro. O castigo viaja a cavalo. Presa, a assassina ouve diariamente o coro das velhinhas beatas na porta da cadeia: esfolem, espetem arranquem o escalpo. Há poucas semanas uma nova velhinha aderiu ao grupo. Com voz esganiçada apregoa a plenos pulmões: arranquem o figo. Ela quer dizer fígado, mas é surda e entende tudo errado. (Sidney Borges)

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