Opinião

Os cinquenta anos de Brasília

Editorial do Estadão
Chamada, ainda em obras, de "a capital da esperança" pelo ministro da Cultura da França, André Malraux, Brasília - que hoje completa 50 anos - não merecia a crise política que levou à inédita prisão e ao afastamento de seu governador, eleito por voto direto, e à posse, há pouco, de um substituto, escolhido de forma indireta para exercer um mandato-tampão. Atropelado pela crise iniciada no fim de 2009, com a apresentação de provas indiscutíveis de corrupção, o governo distrital não teve condições de organizar a grande comemoração do cinquentenário que certamente merecia essa capital, nascida em um ambiente de desconfiança que ao longo do tempo conseguiu desfazer.

A despeito dos ônus que sua construção apressada impôs às finanças públicas, Brasília firmou-se como símbolo da modernização do Brasil e, sobretudo, como marco da nova forma de distribuição da população e do sistema produtivo pelo território nacional. Mereceu o nome com que a batizou Malraux.

Brasília nasceu da obsessão de um político disposto a tornar realidade um dispositivo da Constituição de 1946 que determinava a transferência da capital da República para o Planalto Central. Por causa dessa ideia, que transformou em seu principal programa de governo, o presidente Juscelino Kubitschek (1956 -1961) foi por alguns considerado um visionário, por outros, um aventureiro.

A precariedade de suas instalações à época da inauguração tornava a cidade "desumana", como observou então o Estado em editorial. Amargurava os congressistas da época - 456 senadores e deputados que passariam a desempenhar suas funções de representantes do povo longe dos confortos que lhes oferecera até então o Rio de Janeiro - a dolorosa realidade da nova capital, na qual faltavam telefones, as condições de habitação eram precárias e o pó, infernal.

Mas a inauguração de Brasília foi mais do que um espetáculo que emocionou a população de várias partes do País. Sua repercussão foi internacional. "Nunca o Brasil foi tão falado no mundo como agora", observou o Estado em outro editorial, dias depois da inauguração. "A Europa, que persistia em nos ignorar, rende-se à evidência dos fatos e reconhece como realidade concreta o florescimento no Brasil de um tipo de cultura autônoma que se projeta como afirmação de élan vital e de maturidade." Em seguida, citou o jornal londrino News Chronicle: "Brasília é tida em todo o mundo como a obra-prima arquitetônica do século."

De fato, a capital federal continua a ser lembrada em todo o mundo por seu projeto urbanístico - mesmo que o projeto ainda hoje continue a provocar muita polêmica - e por alguns de seus principais edifícios.

Este é, porém, apenas um dos aspectos essenciais de sua história. Outro foi o de ter constituído o marco inicial da marcha para o Oeste, ou seja, a conquista de uma região até então praticamente ignorada pela população e pelos empreendedores.

Certamente, como observam alguns historiadores econômicos, que a evolução natural da agricultura, com a descoberta de variedades mais apropriadas para as condições locais, acabaria levando ao desenvolvimento agrícola da Região Centro-Oeste. Mas não parece haver dúvidas de que a instalação da capital federal no Planalto Central acelerou a ocupação do Centro-Oeste e estimulou as pesquisas científicas que abriram o caminho para a agricultura e para a pecuária na região.
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