Opinião

A Argentina ganha mais uma

Editorial do Estadão
A Argentina vai continuar barrando produtos brasileiros por muito tempo, se isso depender de Brasília. O governo argentino conseguiu mais uma vez manobrar o governo brasileiro a seu favor. Depois de um encontro bilateral em São Paulo, o secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, disse estar "mais distante" a possibilidade de retaliar a Argentina com licenças não automáticas de importação ou de iniciar um processo na Organização Mundial do Comércio (OMC). Missão cumprida, portanto, para o subsecretário de Política e Gestão Comercial do Ministério da Produção argentino, Eduardo Bianchi. O risco de um atrito mais sério, a curto prazo, está afastado, e esse era seu principal objetivo ao visitar a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), onde se reuniu na segunda e na terça-feira o comitê de acompanhamento do comércio bilateral. A ação na OMC havia sido pedida ao governo uma semana antes pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).

Bianchi anunciou a liberação de importações, em julho, de 1,1 milhão de pares de calçados, de 173 mil unidades de móveis e de 205 mil pneumáticos, depois de longa demora. Não deixou claro, no entanto, se a "abertura" verificada em julho, para alguns setores, foi o prenúncio de um comércio bilateral menos travado em todos os segmentos.

A hipótese mais otimista parece altamente improvável, apesar do entusiasmo demonstrado pelo secretário Ivan Ramalho. Os acordos com a Argentina, disse ele, "estão sendo cumpridos satisfatoriamente", segundo os dados expostos pela delegação daquele país. Ramalho admitiu, no entanto, "possíveis desvios de comércio", em benefício da China, mas sem comprometer a relação comercial entre os dois vizinhos.

Esses "possíveis desvios" estão perfeitamente comprovados. De janeiro a maio do ano passado, o Brasil forneceu 57% dos calçados importados pela Argentina e a China, 29%. Nos primeiros cinco meses deste ano, a participação brasileira ficou em 45%, enquanto a chinesa alcançou 39%. Desvios de comércio a favor de concorrentes do Brasil ocorreram também noutras ocasiões, em consequência de barreiras contra produtos brasileiros. O governo brasileiro chegou a protestar, em certa ocasião, mas só depois de farta divulgação dos fatos pela imprensa. Enquanto a ação depende principalmente de sua iniciativa, as autoridades de Brasília têm preferido aceitar o protecionismo argentino e até induzir os empresários brasileiros a negociar restrições voluntárias.

Os acordos "cumpridos satisfatoriamente", de acordo com a avaliação otimista do secretário Ivan Ramalho, são todos custosos para a indústria brasileira. Cumpri-los de forma satisfatória - para repetir a avaliação do funcionário de Brasília - significa simplesmente respeitar os prazos normais das licenças de importação. Mas esse comportamento é recentíssimo e vários setores continuam sujeitos ao arbítrio dos burocratas argentinos encarregados de barrar as importações provenientes do Brasil. Para vários setores, como o têxtil, as licenças vêm sendo concedidas com muita demora, em prazo frequentemente superior a 60 dias, e não há um claro sinal de mudança nessa política.

A imposição de barreiras tem sido a forma usada pelo governo argentino para arrancar dos empresários brasileiros compromissos de restrição "voluntária" de exportações. O governo brasileiro trata o assunto, oficialmente, como se os acordos fossem produzidos por entendimentos entre empresários dos dois países. Mas não é isso que acontece. Os industriais argentinos são apoiados por seu governo e têm a seu favor a ameaça de imposição de barreiras. Os empresários brasileiros não têm apoio oficial e, além disso, são induzidos a aceitar as imposições dos argentinos. Esse problema se agravou desde o segundo semestre de 2008, quando a crise internacional atingiu a região. Mas o jogo tem sido praticado há vários anos, em nome de uma fantasiosa correção de assimetrias. Fantasiosa porque a indústria argentina pouco tem investido há muitos anos e quase nada tem feito, além de recorrer ao protecionismo, para aumentar seu poder de competição.
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