Opinião

De como viver perigosamente

Washington Novaes
Não chega a surpreender a falta de avanços concretos na reunião do G-8 realizada no início do mês em Áquila, na Itália. Dada a repercussão que decisões sobre redução de emissões de gases terão nas economias dos países que as aceitarem - e na competitividade do comércio de cada nação -, é até previsível que os lances verdadeiros só serão dados no último momento, depois de pelo menos esboçada e conhecida a posição real de cada um. E isso só ocorrerá em Copenhague, em dezembro.


Chegou a parecer que haveria um avanço importante quando se anunciou que os 17 países que mais emitem concordavam em que, para a temperatura do planeta não ultrapassar 2 graus Celsius (já subiu 0,7 grau), até 2050 essas nações deveriam baixar suas emissões em 50% (sobre os níveis de 1990) - o que exigiria uma redução de 80% pelos países industrializados. Mas bastou que China, Índia, Rússia e Brasil não aceitassem compromissos formais de redução para que o comunicado final do encontro omitisse esses números e incluísse apenas a menção a um esforço para impedir o aumento da temperatura.

Na verdade, o próprio presidente Barack Obama, que parecia pôr seu país numa posição de vanguarda, adotou uma posição mais cautelosa, por temer que compromissos ambiciosos tenham impacto forte sobre a economia dos EUA, inclusive com a transferência de investimentos para nações que não se obriguem a reduzir emissões nem taxem empresas poluidoras. E nem chegou a discutir o assunto com o presidente Lula, que o evitou (Agência Estado, 10/7). O Brasil, segundo seus porta-vozes, quer "compromissos mais suaves para as economias emergentes, e sem metas quantitativas" (Estado, 10/7), por entender que "políticas públicas que ampliem a cidadania" podem significar aumento das emissões. De qualquer forma, o principal negociador brasileiro, o diplomata Luiz Alberto Figueiredo Machado, criticou o G-8 por não anunciar medidas mais fortes, apenas metas de longo prazo. A seu ver, só metas intermediárias muito claras dariam credibilidade à declaração final.

É um quadro inquietante dos dois ângulos - dos países industrializados e dos chamados emergentes. A Ásia, que triplicou suas emissões em 30 anos, pode emitir 40% do total dos poluentes até 2030, diz o Banco Asiático de Desenvolvimento (Reuters, 17/6) - embora os desastres climáticos possam levar a perdas de até 30% nas safras agrícolas das regiões centro e sul. A redução dos gelos nas montanhas poderá afetar gravemente 1,4 bilhão de pessoas em vários países.

"O mundo está caminhando como um sonâmbulo em direção a desastres evitáveis", diz o subsecretário de Assuntos Humanitários da ONU, John Holmes. Não há como negar, diante de informações como as do Global Biogeochemical Cycle (Reuters, 1º/7), de que o estoque de carbono sob a camada de permafrost nas regiões geladas do norte "é o dobro do que havia sido estimado"; se apenas 10% forem liberados, a temperatura planetária subirá 0,7 grau. E o problema não é só lá. Como relatou Jamil Chade, correspondente deste jornal em Genebra, 12% do gelo das montanhas suíças desapareceu em uma década. No Monte Kilimanjaro, na África, pela primeira vez não houve neve no topo. Nos Andes peruanos, dizem outros estudos, o derretimento dos gelos acelera-se muito.

Na reunião de que participou há poucos dias na Groenlândia, o ministro brasileiro do Meio Ambiente mencionou como nosso objetivo principal e quase único nessa área a redução do desmatamento na Amazônia em 70%. Deveria ser repensado. Primeiro, porque o cálculo que toma por base a média do período 1995-2006, que foi de 19,5 mil km2, significa que o objetivo está praticamente alcançado nos 40% prometidos para a primeira etapa. Segundo, porque pretender chegar a 2017 com desmatamento ainda em milhares de quilômetros quadrados anuais significa falta de ambição e acreditar que o mundo continuará assistindo a tudo passivamente. Sem falar que se esquece o desmatamento no Cerrado, tão grave quanto o da Amazônia e que está na casa dos 22 mil km2 anuais.

A posição brasileira é frágil - é preciso insistir. Já estamos entre os maiores emissores do planeta, com mais de 1 bilhão de toneladas de carbono e mais de 10 milhões de toneladas anuais de metano, de acordo com o inventário de 1994. Segundo o ex-economista-chefe do Banco Mundial e consultor do governo britânico Nicholas Stern, elas dobraram, estão entre 11 e 12 toneladas por habitante/ano - o que significaria 2,12 bilhões de toneladas/ano, o dobro de 1994.
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