Opinião

A Receita na malha fina

Editorial do Estadão
Com as suas tardias e vaporosas afirmações sobre a quebra do sigilo fiscal do vice-presidente do PSDB, Eduardo Jorge Caldas Pereira, a Secretaria da Receita Federal caiu na malha fina. A nota com que tentou se explicar no caso das cópias de 5 declarações de renda de Eduardo Jorge a que a Folha de S.Paulo teve acesso é uma forma de sonegação da verdade. Há cerca de 1 mês, o jornal noticiou que os papéis faziam parte de um dossiê antitucano em preparo por pessoas ligadas à campanha da candidata Dilma Rousseff.

Indício seguro de sua origem, as declarações contêm o seguinte registro: "Estes dados são cópia fiel dos constantes em nossos arquivos." Tenha existido, ou não, portanto, a iniciativa de confeccionar uma trolha para ser usada contra o ex-governador José Serra e companheiros de partido na disputa presidencial - Dilma nega taxativamente que algo do gênero tenha sido posto em prática por seus aliados -, o vazamento de informações sob a guarda de uma das principais instituições do Estado é, por si, uma ponta do escândalo.

A outra é o procedimento da Receita, expresso na nota que levanta mais suspeitas do que esclarecimentos. Três semanas depois da denúncia, a Secretaria reconheceu que "pessoas autorizadas, mediante uso de senha pessoal e de certificação digital", perscrutaram as declarações de Eduardo Jorge "dos exercícios de 2008 e 2009". Mas a nota não faz referência às 3 declarações anteriores, não identifica as tais "pessoas autorizadas" e alega desconhecer os motivos que teriam tido para se interessar pela situação fiscal de um contribuinte aparentemente em dia com o Fisco, tanto que recebeu a restituição do ano passado.

É no mínimo estranho que um órgão tão bem equipado e ágil como a Receita ainda não tenha apurado do começo ao fim um episódio cujo rastreamento os seus sistemas informatizados permitem efetuar com alguns cliques de mouse, conforme a expressão corrente. "As investigações prosseguem através da instauração de processo administrativo disciplinar", diz a nota, burocraticamente, "para apurar se os acessos foram motivados por razão de serviço." No mesmo tom, parece fazer o favor de lembrar que, se não o tiverem sido, "o responsável pelo acesso imotivado estará sujeito à penalidade de advertência ou suspensão de até 90 dias".

A Receita não exclui a hipótese de que o motivo do que chama "acesso imotivado" seja passar adiante informações sigilosas, o que configuraria quebra de sigilo funcional, punida com demissão e ação criminal. Na realidade, salta aos olhos que uma coisa é indissociável da outra. Afinal, as cópias das declarações do vice-presidente do PSDB e ex-secretário da Presidência da República no governo Fernando Henrique apareceram onde não deviam. Nesse caso, apareceram. É de perguntar em quantos outros o delito, os seus autores e as suas intenções continuam na sombra.
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