Opinião

Lina e Marina, duas rimas de Catilina

José Nêumanne
Os 82% de popularidade de Luiz Inácio Lula da Silva são um feito notável. E inusitado. Mas não inédito. Com o mesmo olhar fixo e esgazeado com que partiu para cima do colega Pedro Simon, reagindo à simples menção de seu nome, Fernando Collor, saído de um inexpressivo governo em Alagoas, teve apoio popular para derrotar na disputa pela Presidência nomes de tradição na política nacional, como Ulysses Guimarães, comandante da resistência civil à ditadura, e Leonel Brizola, símbolo do Brasil expulso do Brasil pelos militares. E Lula, o metalúrgico, padrão do operário emergente nos poderes aquisitivo e político. Seu antecessor, José Sarney, havia fruído glória similar até afundar no opróbrio causado por uma inflação absurda. A diferença entre Lula e eles, Tancredo Neves, Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas, dom Pedro II e outros governantes amados, é que o atual está em pleno segundo mandato e nada há no horizonte que ameace sua lua de mel com o povo.


Será? É o que veremos. Esse apoio popular todo não garante maioria parlamentar para governar e, por isso, Lula é obrigado a beijar mãos que antes mordia, como as dos citados Sarney e Collor. E também não lhe garante imunidade ao erro. Como qualquer mortal, popular ou impopular, ele erra. Um católico, embora não muito devoto, deveria saber que só o papa é tido em sua igreja como infalível - ninguém mais. E não é só uma questão de errar. Por mais sorte que alguém desfrute - e só um insensato negaria que a fortuna o beneficia -, sempre haverá um momento em que o acaso poderá desfavorecê-lo. Quando nomeou Lina Vieira para a Secretaria da Receita Federal, ele não poderia calcular que 11 meses depois teria de demiti-la e, pior, que, demitida, aquela burocrata saída praticamente do nada poderia causar-lhe um transtorno inimaginável na tarefa que se impôs de eleger uma candidata que nunca antes disputou um mandato pelo voto e está longe de ter a capacidade de seduzir amigos e influenciar eleitores que ele próprio tem. De idêntica forma, não poderia esperar o mesmo da doce Marina Silva.

Pode ser que Lina tenha mentido ao confirmar à Folha de S.Paulo a reunião na qual a chefe da Casa Civil exigiu a "agilização" das investigações do Fisco sobre as empresas da família Sarney. Como obtemperou o ex-metalúrgico, cada vez mais fascinado pelo Direito Romano mesmo sem ter a menor noção de latim, o ônus da prova é do acusador. Mas Lina não acusou ninguém: só respondeu a uma pergunta de um repórter bem informado. Ainda assim, terá de provar à Justiça que Dilma lhe deu ordem para favorecer um acusado de práticas contábeis ilícitas (agilizar significa abandonar investigações que normalmente demandam tempo e paciência dos fiscais para as levarem a cabo). Como a ex-secretária da Receita argumentou, não se trata mesmo da palavra dela contra a da candidata ungida para suceder ao presidente bem amado. Há imagens gravadas (não há?) e testemunhos a serem colhidos em inquérito policial de rotina. O engano do presidente é de outra natureza. Hábil no trato com o eleitorado, ele de repente teve um lapso mental que o impediu de enxergar o óbvio: ou Dilma prova que não houve o encontro (complicação em que ela mesma se enrascou, pois poderia ter negado apenas a ordem) ou vai ter sérios problemas para convencer o eleitor de que dispõe das qualidades exigidas para presidir a República.
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