Opinião

Mensagem de ódio

Editorial do Estadão
O flagelo do preconceito racial provavelmente jamais será extinto, por ser parte da condição humana e ter raízes profundas na história da espécie. Mas pode ser reprimido por todos os meios compatíveis com os valores e o sistema jurídico das sociedades abertas. É uma empreitada permanente que, pela própria disseminação da hediondez a ser combatida, transcende as fronteiras dos países. Requer robustos acordos supranacionais que incentivem em toda parte a educação baseada na tolerância e no respeito às diferenças, a partir da premissa de que todos os seres humanos são essencialmente iguais. A cooperação multilateral é indispensável também para a denúncia das políticas de cunho racista, bem como para a aprovação de leis compartilhadas que tipifiquem e punam com severidade qualquer forma de discriminação entre as pessoas, onde quer que ocorra.

Eis por que merece absoluto repúdio a tentativa do presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, de transformar a Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, iniciada segunda-feira em Genebra, em um foro de ataques virulentos a um Estado-membro da organização, Israel, e de divulgação de seu extremado antissemitismo. Na sua mensagem de ódio, Ahmadinejad não só tornou a ofender a consciência universal ao negar o maior, mais hediondo e mais documentado dos crimes cometidos contra um grupo humano no século 20 - o Holocausto de 6 milhões de pessoas perpetrado pela Alemanha de Hitler. Sob a palavra de ordem da "erradicação" do racismo que seria inerente ao "regime sionista", ele pregou novamente a destruição de Israel. Na sua versão doentia, o Holocausto foi uma invenção do Ocidente para justificar a implantação de "um governo totalmente racista na Palestina ocupada".

A Ahmadinejad pouco importam a luta contra o racismo e os direitos do povo palestino. Menos ainda ele gostaria de ver resolvido o conflito na região com a criação de uma Palestina viável e soberana e a normalização das relações entre Israel e os seus vizinhos, nos termos, por exemplo, do plano saudita aprovado pela Liga Árabe em 2002 e que tem a simpatia do governo Obama. A obsessão do líder civil da teocracia iraniana não leva em conta nem sequer o efeito adverso de suas tiradas hidrófobas para a reaproximação - que interessa ao Irã - com os Estados Unidos. Sem falar que ele serve à teoria da direita israelense de que toda crítica a Israel é uma forma de antissemitismo. Na realidade, os verdadeiros amigos do país estão entre os primeiros a condenar o seu militarismo e a deplorar a ascensão política de figuras como o novo chanceler Avigdor Lieberman com as suas ideias de supremacismo étnico.

A apropriação do tema do racismo para estigmatizar Israel cria um dilema para os governos empenhados em unir o mundo no combate a essa chaga. Pois uma coisa são os seus representantes se retirarem do recinto em repúdio às torpezas de Ahmadinejad - infelizmente o delegado brasileiro, o ministro da Igualdade Racial, Edson Santos, achou que dava no mesmo ficar, mas não aplaudir o orador -, outra coisa é boicotar o evento. Se o protesto é procedente, a recusa à participação tem prós e contras. O boicote adotado pelos Estados Unidos, Israel e outros sete países se justificaria porque a conferência reafirmou, de partida, a declaração final do evento anterior, em Durban, África do Sul, em 2001, que foi pouco mais do que um jamboree anti-israelense. Mas as ausências dificultam a conquista do objetivo maior de promover ações globais contra o racismo. "É mais fácil criticar de longe, mas isso não adianta", lamentou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
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