Opinião

De um casuísmo a outro

Editorial do Estadão
A Câmara dos Deputados começou a preparar uma feitiçaria política - o fim da reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos. Eles passariam a ser eleitos para um período único de 5 anos, na mesma votação em que forem escolhidos, para mandatos de igual duração, os ocupantes das Casas Legislativas municipais, estaduais e federais - um problemático feirão eleitoral, em suma. Na terça-feira, numa decisão que uniu governistas e oposicionistas num pacto de conveniência mútua, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou o parecer do relator João Paulo Cunha, do PT de São Paulo, pela admissibilidade de nada menos de 62 projetos de emenda constitucional para a mudança das regras eleitorais. Essa reforma se distingue da pretendida reforma política por não abranger questões como fidelidade partidária e financiamento público das campanhas.

Vinte e duas daquelas propostas consistem em variações em torno do fim da reeleição e da coincidência de todos os mandatos. Mas outras poderão ser enxertadas quando a maçaroca for a exame de uma comissão especial a se instalar no ano que vem, sob a presidência de um petista. Os governistas ofereceram a relatoria ao DEM para deixar claro que não têm a intenção de contrabandear para dentro da reforma a chance de um terceiro mandato para o presidente Lula em 2010 - quanto mais não seja, dificilmente haveria tempo para a esperteza, dado que emendas constitucionais precisam passar por duas votações em cada Casa do Congresso. O ponto é outro: nascida em 1997 de um casuísmo para dobrar o turno do presidente Fernando Henrique, a reeleição corre o risco de ser extinta por outro casuísmo, desta vez para fazer andar mais depressa a fila dos políticos em busca do poder.

O sistema, afinal, tende a favorecer os incumbentes. Se o primeiro governo do mandatário não for um rematado fiasco, a tendência do eleitorado é lhe dar o benefício da dúvida, na linha de não trocar o certo pelo não sabido. E se o governante der conta do recado, naturalmente será ainda maior a propensão a mantê-lo no posto, razão de ser, aliás, da idéia da reeleição. Foi o que se viu no recente pleito municipal, quando robusta maioria dos prefeitos que se candidataram a um segundo mandato se deu bem. Some-se isso à realidade inegável de que é mais cômodo disputar o poder já estando nele do que da planície da oposição. Mas, na soma dos prós e contras, não está claro que a reeleição foi um retrocesso político para o Brasil. E não está claro porque é cedo para se chegar a uma conclusão segura. Dizem os juristas que leis boas são leis velhas, aquelas que passaram no teste do tempo. O mesmo vale para a configuração da política.

O abandono prematuro da reeleição, além do mais, faz pouco-caso de um ingrediente essencial para a consolidação da democracia: a estabilidade das práticas eleitorais em que se assenta a competição política. É má pedagogia para uma sociedade quando os seus representantes mudam as traves de lugar sempre que isso possa favorecer o seu desempenho em campo e pouco se importando com o que possa pensar disso o público pagante. O fim da reeleição, depois de um breve decênio, não se torna mais defensável tampouco pelo fato de serem contrários por princípio aos dois mandatos consecutivos os principais beneficiários da reviravolta - o presidente Lula, que assim não precisaria esperar até 2018, quem sabe, para voltar eventualmente ao Planalto, e o presidenciável José Serra, que assim teria com que acenar ao seu rival Aécio Neves em 2010.
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