Opinião

O aliado oculto do desmate

Editorial do Estadão
O ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, se regozija com a receptividade, no exterior, do Plano Nacional de Mudanças Climáticas, que prevê a redução do desmatamento na Amazônia em 73% até 2017. O plano, de fato, teve boa aceitação na 14ª Conferência dos Países Signatários da Convenção do Clima, das Nações Unidas, realizada semana passada em Poznan, na Polônia - apesar das duras críticas das ONGs ambientalistas brasileiras. Pela primeira vez, afinal, o governo se rendeu ao imperativo de fixar metas para a diminuição do desmate da Floresta Amazônica, abandonando o argumento puramente defensivo de que os estrangeiros querem preservá-la como uma reserva botânica para o seu desfrute, ao passo que o interesse nacional é o de promover o desenvolvimento da região, onde vivem 24 milhões de pessoas.

A fixação de metas, por si só, não assegura o seu cumprimento - está aí o Protocolo de Kyoto para mostrar a distância entre intenções e resultados no combate ao aquecimento global. De todo modo, trata-se de um avanço inegável perto da posição obtusa que prevaleceu até há bem pouco em Brasília. Como assinalou o professor José Goldemberg em artigo publicado ontem no Estado, o governo parecia ignorar que a principal vítima do desmatamento serão os próprios brasileiros, pelas mudanças climáticas disso resultantes no Nordeste e no Sudeste. Além disso, os países industrializados adotaram metas rigorosas para a redução das emissões de dióxido de carbono, o mais nocivo dos gases estufa, sem esperar pelo Brasil - o quinto maior emissor do mundo, exatamente devido ao desflorestamento.

O ministro Minc festeja também a redução do abate de árvores em 23% nos últimos seis meses e apregoa que "nossa meta é desmatamento zero". Muito bonito, fossem outros os dados da realidade. O primeiro deles é o custo da proteção ambiental. Segundo os cálculos oficiais, o Brasil pode precisar de mais de R$ 9 bilhões por ano para dar conta do recado. Espera-se que o recém-criado Fundo Amazônia capte no exterior doações da ordem de R$ 2,3 bilhões anuais. A diferença viria de fundos internacionais e do mercado de créditos de carbono - ainda uma grande incógnita. Já o segundo obstáculo é puramente brasileiro: a imensa dificuldade em regularizar as terras na Amazônia, sem o que o controle do desmatamento e o início do processo do desenvolvimento sustentável da região (onde só 10% das posses são legais) ficariam praticamente impossibilitados, no entender dos conhecedores.

O maior obstáculo à regularização fundiária está - para variar - no emaranhado de leis e decretos confusos e irracionais que tratam da questão. Um exemplo, detalhado ontem neste jornal pelo repórter João Domingos, é a Lei 6.383, de 1976, que trata das terras devolutas e limita a 100 hectares a extensão da propriedade rural para a legitimação da posse. Só que o texto condiciona a regularização de uma área à inexistência de problemas em toda a gleba de que ela faça parte, ainda que sejam diferentes os ocupantes do conjunto. Se um deles não tiver preservado 80% da reserva florestal ou não tenha tornado produtivo o seu lote passado um ano da ocupação, nenhuma outra parcela será regularizada. Cada ocupante, portanto, poderá ser penalizado por irregularidades alheias.
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