Pensata

Ciência sob ataque

Hélio Schwartsman

Se eu fosse exagerado, diria que a ciência brasileira está sob ataque. Como não sou, parece mais adequado afirmar que ela vem enfrentando percalços imprevistos. Há duas semanas a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, participou de um evento criacionista e, em seguida, defendeu o ensino de teorias "alternativas" ao darwinismo. Poucos dias depois, reportagem da Folha mostrava que cerca de uma centena psicólogos, advogados, antropólogos e educadores procurava, através de um abaixo-assinado, impedir um grupo de neurocientistas de levar a cabo pesquisa que pretende esquadrinhar o cérebro de 50 adolescentes homicidas de Porto Alegre em busca de marcadores biológicos.
Investidas anticientíficas não são propriamente uma novidade, que o digam Giordano Bruno e Galileu Galilei. Mesmo em tempos de maior liberdade intelectual, como a Grécia Antiga, experimentadores do quilate de Eratóstenes e Arquimedes enfrentavam um certo desdém de filósofos puramente especulativos, então mais afinados com o "Zeitgeist". O inquietante no caso brasileiro é que os ataques partam, senão de aliados, ao menos de grupos e instituições que deveriam em tese apoiar a ciência. Afinal, Marina Silva, na condição de ministra, representa o Estado brasileiro. Já psicólogos, antropólogos e pedagogos, embora não costumem militar nas fileiras da "hard science", são --ou deveriam ser-- aquilo que antigamente chamávamos de "Geistwissenschaftler", ou seja, simplificando um pouco, cientistas sociais, os quais deveriam, pelo menos etimologicamente, estar comprometidos com o método científico.
Comecemos pelo caso mais gritante, que é o dos patrulheiros epistemológicos. De minha parte, considero a neurociência um campo fértil e promissor, do qual tem emergido muito material interessante para "insights" e reflexões. Admito, entretanto, que nem todo mundo precisa pensar como eu. É perfeitamente possível tachar sociobiologia, psicologia evolutiva e genética como "reducionistas" --o que quer que isso signifique. Mais até, é legítimo preocupar-se com o efeito que determinadas descobertas possam ter sobre a sociedade. Imagine-se, por hipótese, que se desenvolva um método de diagnosticar, ainda antes do nascimento, indivíduos mais propensos a tornar-se criminosos quando adultos. Tais embriões poderiam ser abortados? Se sim, por decisão de quem? Do Estado? Dos pais? São questões apaixonantemente controversas. E, por mais intransigentes que possamos ser na defesa da vida e da pluralidade humanas, nada justifica deixar de realizar um estudo cujos protocolos éticos se mostrem adequados, como é o caso do experimento gaúcho. Ele não implica nenhum risco ponderável para as "cobaias" e só ocorrerá se os pesquisadores obtiverem o consentimento esclarecido dos jovens e de seus pais ou responsáveis e também a autorização da Justiça.

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