Editorial
Compre, logo exista...
Houve tempo em que era bom ter muitos filhos. Na verdade, necessário. A maior parte das atividades humanas era feita com as mãos. Novos braços eram sempre bem-vindos. Tempos difíceis em que se vivia pouco e morria-se com facilidade. Na Alemanha do compositor Johan Sebastian Bach. (1685-1750) a expectativa de vida não ultrapassava vinte e dois anos. Famílias que começavam numerosas logo estavam reduzidas a alguns sobreviventes. Hoje vivemos mais graças aos conhecimentos que adquirimos matando semelhantes. O ser humano é assim, tem um defeito de fabricação que o impele a matar. Experimente assistir à programação da TV paga, que exibe séries feitas nos Estados Unidos, país mais rico do planeta. É só violência, o tempo todo uns matando os outros em nome da liberdade. De matar. Dessa compulsão nasceu uma indústria farmacêutica que, para curar os feridos de guerra e torná-los aptos a continuar matando e sendo feridos ou mortos, acabou beneficiando a espécie. Os antibióticos nos livraram de morrer de espinhas infeccionadas, como o filho da rainha Vitória. Atualmente os humanos têm o privilégio de ficar velhos para morrer de Alzheimer, moléstia que antigamente era confundida com possessão demoníaca e condenava ao hospício. Na verdade a sina do homem é essa, se sobreviver aos ímpetos juvenis e escapar das balas perdidas e dos excessos das baladas, não haverá com evitar o câncer, a demência ou o infarto. Estamos irremediavelmente condenados. Neste planeta quem não está para nascer está para morrer, o que pode até demorar um pouco, mas é certo e inevitável. Voltando às famílias numerosas, hoje não há sentido em ter uma. Criar filhos é difícil e caro. A mãe de dois dos rapazes envolvidos no assassinato do menino, no Rio de Janeiro, gerou cinco filhos. O mais velho e possível mentor da barbárie tem vinte e três anos e algumas passagens pela polícia. Cursou até a sexta série e abandonou a escola. Não tem profissão nem ocupação definida. Vive perambulando pelas ruas. Seu irmão, de dezesseis anos, cursou até e quinta série e está fazendo capacitação com o “brother” para ingressar no sistema prisional e tirar diploma de delinqüente. Quantos mais estão nesta situação? Milhões, certamente, embora a maioria tenha boa-índole e viva honestamente, o que nos dá esperança. Dificuldades econômicas e sociais não são desculpas para arrastar alguém até a morte. A contradição maior do sistema está na industria do marketing que impele compulsivamente ao consumo, mas não fornece subsídios para que este se materialize. Quem não consome não é ninguém diz o anúncio do “American Express”. Mostre o seu cartão, compre, exista. Como consumir sem ter de onde tirar dinheiro? Trabalhando não dá. Os empregos são raros e pagam pouco. Simples, tirando dinheiro de quem tem dinheiro. Bingo. Fico imaginando o que aconteceria com a Austrália, onde um lixeiro ganha mil e duzentos reais por semana, se, de repente, cento e cinqüenta milhões de brasileiros desembarcassem por lá. Não sobraria canguru para contar a história. Resolver a questão social do Brasil não é tarefa fácil. Melhor empurrar para baixo do tapete, como vem sendo feito desde que os escravos foram libertados. Libertados?
Sidney Borges
Houve tempo em que era bom ter muitos filhos. Na verdade, necessário. A maior parte das atividades humanas era feita com as mãos. Novos braços eram sempre bem-vindos. Tempos difíceis em que se vivia pouco e morria-se com facilidade. Na Alemanha do compositor Johan Sebastian Bach. (1685-1750) a expectativa de vida não ultrapassava vinte e dois anos. Famílias que começavam numerosas logo estavam reduzidas a alguns sobreviventes. Hoje vivemos mais graças aos conhecimentos que adquirimos matando semelhantes. O ser humano é assim, tem um defeito de fabricação que o impele a matar. Experimente assistir à programação da TV paga, que exibe séries feitas nos Estados Unidos, país mais rico do planeta. É só violência, o tempo todo uns matando os outros em nome da liberdade. De matar. Dessa compulsão nasceu uma indústria farmacêutica que, para curar os feridos de guerra e torná-los aptos a continuar matando e sendo feridos ou mortos, acabou beneficiando a espécie. Os antibióticos nos livraram de morrer de espinhas infeccionadas, como o filho da rainha Vitória. Atualmente os humanos têm o privilégio de ficar velhos para morrer de Alzheimer, moléstia que antigamente era confundida com possessão demoníaca e condenava ao hospício. Na verdade a sina do homem é essa, se sobreviver aos ímpetos juvenis e escapar das balas perdidas e dos excessos das baladas, não haverá com evitar o câncer, a demência ou o infarto. Estamos irremediavelmente condenados. Neste planeta quem não está para nascer está para morrer, o que pode até demorar um pouco, mas é certo e inevitável. Voltando às famílias numerosas, hoje não há sentido em ter uma. Criar filhos é difícil e caro. A mãe de dois dos rapazes envolvidos no assassinato do menino, no Rio de Janeiro, gerou cinco filhos. O mais velho e possível mentor da barbárie tem vinte e três anos e algumas passagens pela polícia. Cursou até a sexta série e abandonou a escola. Não tem profissão nem ocupação definida. Vive perambulando pelas ruas. Seu irmão, de dezesseis anos, cursou até e quinta série e está fazendo capacitação com o “brother” para ingressar no sistema prisional e tirar diploma de delinqüente. Quantos mais estão nesta situação? Milhões, certamente, embora a maioria tenha boa-índole e viva honestamente, o que nos dá esperança. Dificuldades econômicas e sociais não são desculpas para arrastar alguém até a morte. A contradição maior do sistema está na industria do marketing que impele compulsivamente ao consumo, mas não fornece subsídios para que este se materialize. Quem não consome não é ninguém diz o anúncio do “American Express”. Mostre o seu cartão, compre, exista. Como consumir sem ter de onde tirar dinheiro? Trabalhando não dá. Os empregos são raros e pagam pouco. Simples, tirando dinheiro de quem tem dinheiro. Bingo. Fico imaginando o que aconteceria com a Austrália, onde um lixeiro ganha mil e duzentos reais por semana, se, de repente, cento e cinqüenta milhões de brasileiros desembarcassem por lá. Não sobraria canguru para contar a história. Resolver a questão social do Brasil não é tarefa fácil. Melhor empurrar para baixo do tapete, como vem sendo feito desde que os escravos foram libertados. Libertados?
Sidney Borges
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