Opinião

Lições de Londres para São Paulo

Leão Serva
LONDRES - A capital inglesa se prepara para duas eleições decisivas nos próximos meses. Em maio, todos os britânicos vão às urnas escolher os deputados do Parlamento (que elege o governo nacional); o prefeito Boris Johnson (partido Conservador) será candidato a deputado. Em 2016, haverá a eleição para o sucessor de Johnson e vários nomes já são cogitados. O comportamento deles na eleição nacional será decisivo para a definição de cada partido no ano que vem.

Londres parece cada vez mais independente do Reino Unido. Enquanto a Inglaterra e toda a Europa sofrem tempos bicudos, a economia da capital cresce mais rápido que a Europa e a Inglaterra. A cidade vive um novo "Swinging London", efervescência cultural como a dos anos 60 e 80, quando a energia da cidade se destacava do resto do país e do continente.

Não é a única grande cidade do mundo que vibra em diapasão diferente mais intenso que seu país. Há até quem defenda que as metrópoles serão as unidades administrativas dinâmicas do século 21, numa recuperação da cidade-estado, após séculos de hegemonia do estado-nação. É o caso de Jennifer Bradley e Bruce Katz em "The Metropolitan Revolution".

O exemplo de Londres é particularmente interessante porque ela disputa o posto de capital financeira do mundo com Nova York (em queda), mas se a "Big Apple" é o centro nervoso da maior economia do mundo, Londres é a capital de um país cujo papel na economia mundial é decadente.

Essa diferença se realiza em diversas áreas da vida. É desde logo simbólico que as maiores forças políticas na cidade sejam diferentes das que comandam o cenário geral: os partidos Conservador e Liberal controlam o governo nacional; em Londres, os Trabalhistas são a maior força local e os Verdes, inexpressivos no Parlamento, já são segunda potência em várias áreas.

A discussão sobre a imigração é outro exemplo do descompasso. Enquanto as pesquisas indicam que o repúdio aos trabalhadores estrangeiros será tema dominante da campanha nacional de 2015, em Londres os políticos (mesmo o prefeito conservador) querem facilitar as regras para importação de recursos humanos. Com 30% da população nascida em outros países, Londres é uma das cidades mais cosmopolitas do planeta e sua economia, altamente dependente de negócios internacionais, não pode prescindir da globalização.

Até 2000, a capital britânica não elegia um prefeito. Cada municipalidade que ao longo dos séculos se conturbou na Grande Londres tinha seu próprio poder local. As questões metropolitanas eram decididas pelo governo nacional. Até que a percepção da importância das questões metropolitanas se tornou imperiosa. O governo do então primeiro-ministro trabalhista Tony Blair, ao fim dos anos 1990, aceitou aumentar a autonomia com a eleição direta de um prefeito, de caráter presidencialista (diferente da lógica parlamentarista que rege o Reino Unido e a Europa).

Já então foi revelador da diferença entre política local e nacional o fato de que o primeiro eleito para o cargo, Ken Livingstone, era um candidato independente, quando há séculos a Inglaterra é dominada pelo bipartidarismo (radical de esquerda, ele havia rompido com os Trabalhistas). Depois de dois mandatos bem sucedidos, em 2008 surpreendentemente perdeu o cargo para Boris Johnson, Conservador também com perfil bem diferente dos companheiros de partido: se relaciona bem com políticos de oposição, tem uma agenda ambientalista que seu partido não apoia em nível nacional e trata com ironia os principais quadros conservadores.

Boris Johnson fez uma aposta radical na adoção de uma agenda verde para a cidade. Criou uma rede de ciclovias e um sistema de bicicletas públicas (chamadas popularmente de "Boris bikes") e assim deixou sua marca na cena urbana que era muito marcada pelo antecessor (criador do pedágio urbano, que financiara uma revolução nos transportes públicos da cidade).

Londres inspira São Paulo: o secretário de Transportes, Jilmar Tatto, cita a capital inglesa como referência para seu plano de ciclovias; o governo estadual cita as linhas de "Overground" da capital britânica em defesa do VLT paulistano. Londres também está aprendendo com São Paulo: uma das candidatas conservadoras à prefeitura defende a criação de uma tarifa comum válida por uma hora para qualquer transporte público, semelhante ao Bilhete Único paulistano (deve ter menos impacto, porque os moradores londrinos compram principalmente pacotes semanais).

Mas a principal lição estratégica é a própria questão metropolitana: enquanto o prefeito Fernando Haddad defendeu em sua campanha um aumento da submissão de São Paulo a programas e fundos federais, os dirigentes das principais grandes cidades do mundo juntam-se a seus vizinhos locais para aumentar a autonomia metropolitana. No modelo londrino, a cidade se descolou da crise nacional e vem contaminando positivamente a economia britânica. Ao se colar no governo federal, o prefeito paulistano ameaça contaminar negativamente a trajetória econômica da cidade com a crise vigente no resto do país. 

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