Opinião
Governo novo, ideias velhas
Ricardo Melo
Nem no seu nascimento o PT se pretendia um partido revolucionário, na acepção clássica do termo. Nem sequer reformista, nos moldes da social democracia do século passado. No máximo poderia ser caracterizado como um partido reformador.
Espaço existia, como prova a história: num país com desigualdades tão acentuadas como o Brasil, uma legenda reivindicando ser porta-voz dos trabalhadores e tendo em seu programa a luta, mesmo genérica, contra abismos sociais, conseguiu a proeza de emplacar quatro mandatos seguidos na direção do Planalto. Mas a fórmula não é eterna.
Impossível escapar. A política de agradar a Deus e ao Diabo encontra seus limites no sistema capitalista –embora no Brasil nem tarefas democráticas básicas, como a reforma agrária, ainda tenham sido cumpridas.
Mesmo com todas estas condicionantes, o triunvirato econômico que se dá como fechado para o próximo governo extrapola os limites da moderação. Na fase final da campanha, Dilma Rousseff abraçou o slogan de governo novo, ideias novas. Nada mais velho e cheirando a mofo do que os nomes aparentemente indicados para o núcleo duro da economia.
Não por acaso Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Alexandre Tombini são comemorados pelo chamado mercado –aquele ente supostamente imaterial que afogou o planeta numa das maiores crises da história contemporânea.
Levy tem uma história vinculada ao "caixa": sua obsessão confessa é fazer o azul superar o vermelho, seja em que sentido for. Sua visão dispensa maiores preocupações com os custos sociais das fórmulas matematicamente "elegantes", capazes de levar a banca, grande capital e um setor da academia ao êxtase e ao mesmo tempo disseminar o desespero na maioria que possui pouco ou quase nada.
Barbosa e Tombini têm pouco a apresentar aos milhões que votaram na presidenta. São figuras miúdas, ideais para compor um time suscetível à pressão do mais forte. Moldáveis ao gosto do freguês.
Como brinde, anuncia-se a nomeação de Kátia Abreu para a Agricultura. Ainda não se sabe direito se é apenas um balão de ensaio ou um fato consumado. Confirmada a segunda hipótese, a coisa assume ares de provocação para uma parcela destacada dos que reconduziram Dilma ao Planalto.
Esta é a questão de fundo, aliás. Nos seus primeiros sinais, a administração vindoura parece ignorar as condições de sua vitória. Na eleição mais disputada dos últimos anos, o PT teve que recorrer às raízes profundas do partido, mantidas sob sedativos por anos de adaptação de fatias da legenda a benesses do poder. O apelo foi respondido com um triunfo inquestionável sobre a ofensiva conservadora.
Era de se esperar dos vencedores medidas no mesmo sentido. Todos percebem que a economia anda aos trancos e barrancos, fruto de uma crise mundial que não poupa ninguém e também da timidez do governo em aprofundar um caminho de ruptura com modelos vigentes. Some-se a isto o pessoal que aposta na profecia que se autorrealiza, entre os quais um setor importante do empresariado. A turma do "não investimos porque o país não vai crescer, e não crescemos porque deixamos de investir".
Longe de qualquer observador equilibrado esperar rupturas bruscas, mas sim de enxergar um horizonte que mantenha e aprofunde as conquistas sociais. Salvo pela existência de uma bem guardada carta na manga, impossível de se vislumbrar até agora, o novo governo vem andando na contramão do que prometeu. Um jogo mais do que perigoso.
Original aqui
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Ricardo Melo
Nem no seu nascimento o PT se pretendia um partido revolucionário, na acepção clássica do termo. Nem sequer reformista, nos moldes da social democracia do século passado. No máximo poderia ser caracterizado como um partido reformador.
Espaço existia, como prova a história: num país com desigualdades tão acentuadas como o Brasil, uma legenda reivindicando ser porta-voz dos trabalhadores e tendo em seu programa a luta, mesmo genérica, contra abismos sociais, conseguiu a proeza de emplacar quatro mandatos seguidos na direção do Planalto. Mas a fórmula não é eterna.
Impossível escapar. A política de agradar a Deus e ao Diabo encontra seus limites no sistema capitalista –embora no Brasil nem tarefas democráticas básicas, como a reforma agrária, ainda tenham sido cumpridas.
Mesmo com todas estas condicionantes, o triunvirato econômico que se dá como fechado para o próximo governo extrapola os limites da moderação. Na fase final da campanha, Dilma Rousseff abraçou o slogan de governo novo, ideias novas. Nada mais velho e cheirando a mofo do que os nomes aparentemente indicados para o núcleo duro da economia.
Não por acaso Joaquim Levy, Nelson Barbosa e Alexandre Tombini são comemorados pelo chamado mercado –aquele ente supostamente imaterial que afogou o planeta numa das maiores crises da história contemporânea.
Levy tem uma história vinculada ao "caixa": sua obsessão confessa é fazer o azul superar o vermelho, seja em que sentido for. Sua visão dispensa maiores preocupações com os custos sociais das fórmulas matematicamente "elegantes", capazes de levar a banca, grande capital e um setor da academia ao êxtase e ao mesmo tempo disseminar o desespero na maioria que possui pouco ou quase nada.
Barbosa e Tombini têm pouco a apresentar aos milhões que votaram na presidenta. São figuras miúdas, ideais para compor um time suscetível à pressão do mais forte. Moldáveis ao gosto do freguês.
Como brinde, anuncia-se a nomeação de Kátia Abreu para a Agricultura. Ainda não se sabe direito se é apenas um balão de ensaio ou um fato consumado. Confirmada a segunda hipótese, a coisa assume ares de provocação para uma parcela destacada dos que reconduziram Dilma ao Planalto.
Esta é a questão de fundo, aliás. Nos seus primeiros sinais, a administração vindoura parece ignorar as condições de sua vitória. Na eleição mais disputada dos últimos anos, o PT teve que recorrer às raízes profundas do partido, mantidas sob sedativos por anos de adaptação de fatias da legenda a benesses do poder. O apelo foi respondido com um triunfo inquestionável sobre a ofensiva conservadora.
Era de se esperar dos vencedores medidas no mesmo sentido. Todos percebem que a economia anda aos trancos e barrancos, fruto de uma crise mundial que não poupa ninguém e também da timidez do governo em aprofundar um caminho de ruptura com modelos vigentes. Some-se a isto o pessoal que aposta na profecia que se autorrealiza, entre os quais um setor importante do empresariado. A turma do "não investimos porque o país não vai crescer, e não crescemos porque deixamos de investir".
Longe de qualquer observador equilibrado esperar rupturas bruscas, mas sim de enxergar um horizonte que mantenha e aprofunde as conquistas sociais. Salvo pela existência de uma bem guardada carta na manga, impossível de se vislumbrar até agora, o novo governo vem andando na contramão do que prometeu. Um jogo mais do que perigoso.
Original aqui
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