Gente apaixonada por Ubatuba
A saga dos Patural (Parte V)
José Ronaldo dos Santos
Chegamos à parte mais dolorosa da história de Jean-Pierre Patural e familiares.
Em 1961 aconteceu o desastre.
“Numa véspera de embarque de bananas, Jean Pierre decolou para Ubatuba. Ao chegar ao Ubatumirim constatou que uma peça fundamental para que o trator funcionasse estava quebrada e, a urgência do serviço fez com que ele retornasse no mesmo dia para Taubaté. Estranhamos o seu retorno.
Como sabíamos que ele tinha retornado? Era fácil, pois o hábito dele era, antes de aterrissar em Pindamonhangaba, dar um vôo rasante sobre a nossa casa. Assim, calculávamos que após uma hora já estaria conosco. Era o tempo suficiente para acomodar a aeronave no seu devido espaço e tomar um ônibus que circulasse entre as duas cidades.
Assim fez ele: providenciou a peça e retornou para o Ubatumirim. Tinha pressa porque o barco passaria no dia marcado para fazer o embarque da grande carga bananeira prevista. Foi quando aconteceu o desastre.
Estranhamos a sua não chegada no dia esperado; nem no outro, nem no outro. Quando recebemos o telegrama do capitão do barco bananeiro dizendo que Jean-Pierre não havia estado no Ubatumirim e que não tinha encontrado nenhuma carga de bananas na praia, desconfiamos que o pior já tinha acontecido. Imediatamente entrei em contato com a fábrica CTI (em Taubaté) que tinha uma linha telefônica direta com Ubatuba. Assim confirmei que o meu amado tinha desaparecido. Com o auxílio de amigos, funcionários da Mecânica Pesada, chamamos o Batalhão de Exército de Pindamonhangaba. Assim foram iniciadas as buscas pela Mata Atlântica. Após uma semana só o avião foi encontrado: estava totalmente destroçado. As buscas continuaram sem nenhum resultado. Desesperada, chamei uma equipe de pára-quedistas de São Paulo especializada nesse tipo de busca. Em vinte e quatro horas encontraram o corpo de Jean Pierre na beira de um rio, cuja distância era, aproximadamente, quatro quilômetros dos destroços do avião. O avião, modelo “teco-teco”, provavelmente foi jogado na mata por uma dessas fortes rajadas de ventos, tão comum de ocorrer naquela época do ano. Foi essa a suposição de um comandante das buscas. É quase certo que tenha sido assim mesmo”.
O avião caiu não muito longe da estrada, numa distância média de cinco quilômetros. Ele se feriu e, segundo o laudo pericial, ainda sobreviveu uns cinco dias. Isso se deduziu pela grande distância entre os destroços do avião e o corpo desfalecido. É certo que teria se salvado se tivesse tomado a trilha certa: bastava seguir o lado da bifurcação que o conduziria à estrada em vez de se enganar e acabar por embrenhar-se ainda mais na mata fechada. Mas se é fácil de se enganar pelas veredas quando estamos sãos, imagine as grandes probabilidades para quem estava ferido e não estava ainda tão familiarizado com a Mata Atlântica. Talvez também tivesse sido socorrido pelos caçadores se fosse tempo de caçadas. Mas não era. Entre o momento em que eu recebi o telegrama de Santos (do comprador das bananas) e o desfecho final (encontro do corpo), passaram-se vinte e um dias. Era o ano de 1961; meu marido tinha trinta e dois anos.
Depois disso tudo ficou muito difícil. Imaginem uma viúva, com dois filhos pequenos, se deslocar de Taubaté para o Ubatumirim num tempo de péssimos transportes, quando nem se sonhava em estrada de rodagem para o lado norte do município. É bem lembrar que a BR-101 só vai se tornar realidade quinze anos depois da tragédia. No entanto, ainda estive alguns períodos de férias em nossas terras: uns dois ou três anos consecutivos. Depois tive que largar tudo, me dedicar ao trabalho e às crianças.
Depois da morte de Jean Pierre tentei conservar as posses. Foi muito difícil, pois a eminência da abertura da rodovia provocou uma verdadeira loucura. Compradores de todas as partes surgiram com malas repletas de notas de pouco valor, mas que pareciam uma fortuna para os ingênuos caiçaras; assim adquiriram as posses. Não me sai da lembrança um caso, de 1965, que muito me chocou: foi a troca de uma belíssima posse entre a praia e o rio, no Ubatumirim, por uma casinha popular inacabada no bairro da Estufa II, num terreno sem qualquer documentação. Depois vieram os grandes grileiros, chegando a ocupar áreas com homens armados. Para uma mulher sozinha era impossível enfrentar esses jagunços. Assim, pensando nos meus filhos e já lecionando na Unitau, além de estar cansada de passar todas as minhas férias e alguns finais de semana nessa luta, deixei a casa da praia aos cuidados do Benedito Rolim. O Sertão da Sesmaria do Ubatumirim ficou sob os cuidados de outro empregado chamado Melentino.
Quando o Dito Rolim se ausentou por questões particulares, a posse da praia foi invadida. Porém, graças à dedicação e competência do doutor Manoel Casal del Rey Aspera, após seis anos de processo, conseguimos reaver a área e, num acordo com o próprio advogado, a trocamos por uma casa no bairro do Tenório. Após reformas, nós a alugamos na temporada”.
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José Ronaldo dos Santos
Chegamos à parte mais dolorosa da história de Jean-Pierre Patural e familiares.
Em 1961 aconteceu o desastre.
“Numa véspera de embarque de bananas, Jean Pierre decolou para Ubatuba. Ao chegar ao Ubatumirim constatou que uma peça fundamental para que o trator funcionasse estava quebrada e, a urgência do serviço fez com que ele retornasse no mesmo dia para Taubaté. Estranhamos o seu retorno.
Como sabíamos que ele tinha retornado? Era fácil, pois o hábito dele era, antes de aterrissar em Pindamonhangaba, dar um vôo rasante sobre a nossa casa. Assim, calculávamos que após uma hora já estaria conosco. Era o tempo suficiente para acomodar a aeronave no seu devido espaço e tomar um ônibus que circulasse entre as duas cidades.
Assim fez ele: providenciou a peça e retornou para o Ubatumirim. Tinha pressa porque o barco passaria no dia marcado para fazer o embarque da grande carga bananeira prevista. Foi quando aconteceu o desastre.
Estranhamos a sua não chegada no dia esperado; nem no outro, nem no outro. Quando recebemos o telegrama do capitão do barco bananeiro dizendo que Jean-Pierre não havia estado no Ubatumirim e que não tinha encontrado nenhuma carga de bananas na praia, desconfiamos que o pior já tinha acontecido. Imediatamente entrei em contato com a fábrica CTI (em Taubaté) que tinha uma linha telefônica direta com Ubatuba. Assim confirmei que o meu amado tinha desaparecido. Com o auxílio de amigos, funcionários da Mecânica Pesada, chamamos o Batalhão de Exército de Pindamonhangaba. Assim foram iniciadas as buscas pela Mata Atlântica. Após uma semana só o avião foi encontrado: estava totalmente destroçado. As buscas continuaram sem nenhum resultado. Desesperada, chamei uma equipe de pára-quedistas de São Paulo especializada nesse tipo de busca. Em vinte e quatro horas encontraram o corpo de Jean Pierre na beira de um rio, cuja distância era, aproximadamente, quatro quilômetros dos destroços do avião. O avião, modelo “teco-teco”, provavelmente foi jogado na mata por uma dessas fortes rajadas de ventos, tão comum de ocorrer naquela época do ano. Foi essa a suposição de um comandante das buscas. É quase certo que tenha sido assim mesmo”.
O avião caiu não muito longe da estrada, numa distância média de cinco quilômetros. Ele se feriu e, segundo o laudo pericial, ainda sobreviveu uns cinco dias. Isso se deduziu pela grande distância entre os destroços do avião e o corpo desfalecido. É certo que teria se salvado se tivesse tomado a trilha certa: bastava seguir o lado da bifurcação que o conduziria à estrada em vez de se enganar e acabar por embrenhar-se ainda mais na mata fechada. Mas se é fácil de se enganar pelas veredas quando estamos sãos, imagine as grandes probabilidades para quem estava ferido e não estava ainda tão familiarizado com a Mata Atlântica. Talvez também tivesse sido socorrido pelos caçadores se fosse tempo de caçadas. Mas não era. Entre o momento em que eu recebi o telegrama de Santos (do comprador das bananas) e o desfecho final (encontro do corpo), passaram-se vinte e um dias. Era o ano de 1961; meu marido tinha trinta e dois anos.
Depois disso tudo ficou muito difícil. Imaginem uma viúva, com dois filhos pequenos, se deslocar de Taubaté para o Ubatumirim num tempo de péssimos transportes, quando nem se sonhava em estrada de rodagem para o lado norte do município. É bem lembrar que a BR-101 só vai se tornar realidade quinze anos depois da tragédia. No entanto, ainda estive alguns períodos de férias em nossas terras: uns dois ou três anos consecutivos. Depois tive que largar tudo, me dedicar ao trabalho e às crianças.
Depois da morte de Jean Pierre tentei conservar as posses. Foi muito difícil, pois a eminência da abertura da rodovia provocou uma verdadeira loucura. Compradores de todas as partes surgiram com malas repletas de notas de pouco valor, mas que pareciam uma fortuna para os ingênuos caiçaras; assim adquiriram as posses. Não me sai da lembrança um caso, de 1965, que muito me chocou: foi a troca de uma belíssima posse entre a praia e o rio, no Ubatumirim, por uma casinha popular inacabada no bairro da Estufa II, num terreno sem qualquer documentação. Depois vieram os grandes grileiros, chegando a ocupar áreas com homens armados. Para uma mulher sozinha era impossível enfrentar esses jagunços. Assim, pensando nos meus filhos e já lecionando na Unitau, além de estar cansada de passar todas as minhas férias e alguns finais de semana nessa luta, deixei a casa da praia aos cuidados do Benedito Rolim. O Sertão da Sesmaria do Ubatumirim ficou sob os cuidados de outro empregado chamado Melentino.
Quando o Dito Rolim se ausentou por questões particulares, a posse da praia foi invadida. Porém, graças à dedicação e competência do doutor Manoel Casal del Rey Aspera, após seis anos de processo, conseguimos reaver a área e, num acordo com o próprio advogado, a trocamos por uma casa no bairro do Tenório. Após reformas, nós a alugamos na temporada”.
Comentários
Era um Jodel, projeto francês construido pela fábrica, kit montado ou "feito em casa"já que era praticamente todo feito em madeira e
motorizado com um motor
norte-americano
Continental C-90 12 f de 90hp.
Voei muito na região e posso dizer que
Jean-Pierre era, no mínimo, um cara muito corajoso.Gostaria de te-lo conhecido.