Coluna do Rui Grilo

Quando tudo começa


Quando estava redigindo o texto “Dia do Professor...” estava pensando na superficialidade dos debates sobre educação na campanha eleitoral. Também pensava no quanto o cinema tem contribuido para a nossa percepção da realidade e em dois filmes que abordam a questão educacional de uma maneira mais profunda: “Quando tudo começa” e “Entre os muros da escola”.

Rui Grilo
O primeiro é mais antigo e seu diretor, Bertrand Tavernier, teve a idéia de produzi-lo através do contato com o noivo de sua filha que era professor primário em uma comunidade pobre no norte da França, assolada por uma taxa de 34% de desemprego.

Junto com sua filha, os três produziram o roteiro, que é uma das melhores análises da escola mostrando o quanto ela pode interferir e o quanto ela é determinada por forças e problemas sociais externos a ela.

O filme mostra vários ângulos da escola: a relação da escola com os alunos e pais, com o supervisor de ensino, com o prefeito, com a assistência social e como ela pode lidar com diferentes culturas e problemas. Dá para sentir a tensão de se sentir como um sanduíche entre a pressão e expectativas da sociedade sobre ela e a falta de condições para realizá-las.

É também, muito forte a percepção de que o bom professor não consegue ficar alheio aos problemas da família e da comunidade que o cerca, e que a compreensão desses problemas orienta a sua atuação apesar das pressões das autoridades para que mantenha neutralidade.

É muito forte no filme, a cena em que o cortejo funerário passa em frente à escola, levando os corpos de alunos, cuja mãe preferiu matá-los para não vê-los morrer de frio depois do corte da energia elétrica pela falta de pagamento por estarem desempregados.

Também é muito forte, quando o pai dessas crianças é visto como um herói e fonte de conhecimento ao pilotar um guindaste. A reação das crianças durante essa experiência mostra o frescor da curiosidade infantil para quem tudo é novidade, espetáculo e mágica cujos truques é chamada a descobrir, início e centro da aquisição e incorporação do conhecimento.

O filme também destaca o papel da arte na superação das diferenças culturais, estabelecendo laços de solidariedade e compreensão.

O segundo filme, de Laurent Cantet, é mais recente e nos permite perceber os muros que dificultam a convivência entre diferentes culturas e diferentes gerações.

O ator principal que faz o papel do professor é o autor do texto e é professor. O personagem é mostrado como um joguete, com seus limites humanos e impotente para mudar a situação.

Quase todo o elenco é formado por alunos que fazem o papel de alunos, atuando com o próprio nome. As várias situações e falas foram recriadas por eles a partir de vários laboratórios de interpretação.

A linguagem que deveria servir de comunicação é vista como a geradora de situações de conflito e incompreensão de ambas as partes, levando ao limite a dificuldade de relação entre eles.

A escola, de certa maneira representa a sociedade moderna em que somos obrigados a conviver em espaços cada vez menores, geradores de estresse e violência. Quanto maior essa proximidade, maior a possibilidade de conflitos e de luta em defesa do espaço de cada um. O aluno exige a igualdade de direitos e deveres entre todos, independente do seu papel na sociedade. Se o professor errar também deve ser punido. O aluno enfrenta o professor mas não enfrenta o diretor. Na classe, o professor está só contra o grupo de alunos. Na diretoria, o aluno está só perante o professor e o diretor.

É muito significativo que o diálogo entre a autoridade escolar e os pais quanto à atitude do aluno “rebelde” precisa ser mediada pelo irmão do aluno, que domina os dois idiomas e que estabelece os canais entre as duas gerações. Vencida a etapa de autoafirmação do adolescente, ele se mostra mais receptivo a entender tanto os mais velhos quanto os mais jovens.

Os dois filmes se completam ao mostrar o quanto é difícil o processo educativo, que exige do professor uma sólida formação para compreender a necessidade da rebeldia do adolescente para a afirmação da própria personalidade e, ao mesmo tempo mostrar os limites do permitido para assegurar a convivência social.

Minha experiência tem mostrado que o distanciamento e o tempo levam a uma maior aproximação entre os “inimigos” e até uma certa alegria interior por parte do professor ao ver que seu aluno “deu certo” e que hoje ele o cumprimenta com um sorriso amistoso, que de certa maneira mostra um reconhecimento.

No entanto, durante a luta, cada um não vê saídas. Isolados, para o aluno, a saída é a evasão ou a destruição da escola; para o professor, um beco sem saída: com família para sustentar, empurra com a barriga ou adoece.

Somente com a união de todos os responsáveis pode haver uma solução diferente e mais produtiva. Já existem algumas experiências.

Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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