Coluna da segunda-feira

O lobo e o cordeiro

Rui Grilo
Como você ousa sujar a água que estou bebendo? Espera aí, meu senhor, disse o Cordeirinho, como vou sujar sua água se ela vem correndo daí pra cá?”

Quem conhece a fábula sabe que, apesar da argumentação do cordeiro, seu destino estava selado porque era mais fraco que o lobo, e este queria apenas um pretexto para matá-lo.

Ao ler os jornais da semana que passou, lembrei-me desta fábula ao ver a atitude dos Estados Unidos perante o acordo com o Irã, mediado pelo Brasil e pela Turquia.

Segundo as palavras de Celso Amorim, confirmado por jornalistas, os termos do acordo assinado é uma reedição de acordo semelhante proposto pela AIEA (órgão da ONU responsável pela fiscalização do uso da energia atômica) e rejeitado pelo Irã.

Em carta de Obama a Lula, ele diz: “De nosso ponto de vista, uma decisão do Irã de enviar 1.200 quilos de urânio de baixo enriquecimento para fora do país geraria confiança e diminuiria as tensões regionais...” E foi exatamente isso que foi pactuado.

Ao incentivar Lula a tentar um acordo que outros diplomatas não haviam conseguido, e depois criticá-lo e propor sanções ao Irã, parece que Obama quer tirar o tapete de Lula e realmente não acreditava na capacidade do Brasil conseguir esse feito, fato que fortalece a diplomacia brasileira e, de certa maneira, mostra os limites da diplomacia americana.

Essa atitude de Obama , se for efetuada, manchará a honra da diplomacia americana, mostrando a sua face de lobo, que usa da força para subjugar os mais fracos e que não está aberta à negociação e a respeitar acordos internacionais.

Segundo Stephen Kinzer, ex-repórter e correspondente internacional do New York Times, se esse acordo não fosse com o Irã, provavelmente a atitude dos Estados Unidos, França e Inglaterra seria outra. Para ele, os delegados americanos são como crianças mimadas, que estão acostumadas a que tudo aconteça como querem. Brasil e Turquia se vêem como potências emergentes que se negam a ser limitadas pelas grandes potências e pela dicotomia entre o sim e o não, buscando novas saídas para os conflitos.

Ao se negar ao diálogo com o Irã e propor sanções mesmo depois do acordo assinado, os Estados Unidos, em vez de acender uma luz de esperança na diminuição da tensão na região, acirra atitudes antiamericanas e fortalece o contrabando ilegal de urânio.

Parece que o mesmo Obama que tratou Lula como “o Cara”, fragilizado pelas dificuldades de resolução de conflitos internos e externos, sentiu-se ameaçado por aquele que havia elogiado e que, por diversas vezes tem peitado o poderio americano e europeu quando estes prejudicam o interesse dos países mais pobres, tornando-se cada vez mais reconhecido como uma liderança mundial.

Como sabemos, todos os grandes impérios caíram e novas forças ascenderam. Embora os fortes continuem a querer usar a força bruta contra os mais fracos, cada vez mais há a condenação moral e a resistência a esse tipo de comportamento.

Fonte : Folha de São Paulo, 23/05/2010. Páginas A3 , 14 e 16.

Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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