Idiomas

Tatuí

O gringo Matthew Shirts escreve no Caderno 2 do Estadão. Eu leio sempre que posso, a visão estrangeira “pero no tanto” de nossos costumes é por vezes, para usar uma expressão dele, muito divertida. E também leio porque gosto de textos bem escritos e Matthew é um mestre da crônica. Hoje ele começa assim:

Dez ou, talvez, doze anos atrás, tomei um táxi na Avenida Paulista. Não me recordo do destino, apenas da reação do motorista. Já mudara para São Paulo fazia tempo, da Califórnia, onde fui criado. Depois de ouvir as explicações do caminho a seguir, o motorista comentou:
- O senhor não é daqui, né?
- Não sou, respondi. De onde o senhor acha que sou?
Creio que ele gostou do desafio de adivinhar minhas origens. Ficou pensativo, em silêncio, durante dois ou três quarteirões, até sair com:
- Tatuí?


Ao ler a conclusão do motorista desatei a rir. Tatuí me é muito cara, cidade onde vivi momentos importantes e felizes e onde tenho muitos amigos. Nos anos da década de 1980 passei muitos fins de semana no Aeroclube de Planadores de Tatuí, onde vez por outra apareciam jovens americanos, temporariamente na cidade em programas de intercâmbio de estudantes.
Para os leitores que nunca estiveram na região, o sotaque é peculiar, diferente de tudo o que há em termos de caipirês, se é que existe tal termo. O erre é inexplicável e a tonicidade foge a qualquer padrão conhecido. Os americanos aprendiam fácil, em poucos dias falavam um dialeto anglo-tatuínico que lembrava o português. Certa vez perguntei a uma menina simpática e cheia de sardas que devorava um x-tudo como se fosse a última refeição:
- Como está o seu português?
- Muita bom, ela respondeu. Non é difícil, parrece a inglês.
As coleguinhas disseram rindo que ela tinha chegado há uma semana. Eu passei a desconfiar de alguma coisa quando o Samuca, que não falava nada de inglês, foi para os Estados Unidos aprender a pilotar helicópteros. Depois de alguns meses ele falava inglês, acho que o tal dialeto, mas o que é curioso, os americanos entendiam perfeitamente, tanto é que ele hoje é comandante de jatos internacionais e se comunica muito bem com os controladores desse mundo de Deus.
A coincidência me faz suspeitar da existência de um elo entre o sotaque de Tatuí e a língua de Shakespeare, quem sabe esteja aí a chave do aprendizado de inglês. Antes de ir para a Nova Zelândia ou Austrália, a garotada deveria passar uns tempos na belíssima e musical Tatuí, do saudoso Maurício Loureiro Gama. Será que ainda existe o Tro-lo-ló?


Sidney Borges

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