Rio São Francisco e o Nordeste Setentrional

Transposição e concórdia

Geddel Vieira Lima
Escrevendo às vésperas do Natal e imbuído do espírito reflexivo do Réveillon, vejo 2008 como um ano propício a novas esperanças sobre a questão mais incompreendida de 2007 - o projeto de Interligação de uma pequena parte das águas do rio São Francisco com o Nordeste Setentrional.
As reflexões de fim de ano já me ajudaram a tomar uma importante decisão de Ano Novo: lutar para vencer a desinformação acerca deste que é um dos mais importantes projetos de desenvolvimento sustentado do Semi-árido brasileiro, nossa região mais pobre e desigual.
A greve de fome do bispo de Barra, Dom Luís Flávio Cappio, evidenciou ainda mais a necessidade de melhorarmos a comunicação sobre a obra. Prova disse é a carta de negociação para por fim à greve, assinada pelo religioso e movimentos sociais que o assessoram. A maioria dos oito pontos reivindicados já está sendo cumprida pelo governo, sobretudo no quesito principal da revitalização.
A “elaboração e implementação de um programa de revitalização”, um dos itens da carta, está em curso ao longo dos 2.800 quilômetros do São Francisco e também de seus afluentes, com as “ações amplas e diversificadas” requeridas pelo religioso e seguidores. Mais de 170 municípios da bacia estão fazendo saneamento ou já estão com licitações em curso para iniciar essas obras fundamentais de despoluição das águas. Além disso, há ações de replantio de mata ciliar, contenção de margens e controle de erosão, dragagem e educação ambiental, num conjunto de medidas abrangentes e de caráter continuado.
Dos oito pontos, apenas os dois primeiros são divergentes: a suspensão da obra e a redução do volume de água a ser transposta. Mas esses pontos se fundamentam na idéia equivocada dos signatários do contra, para os quais o projeto de Interligação vai matar o São Francisco. O Ibama licenciou e a ANA (Agência Nacional de Águas) outorgou que apenas 1,4% da vazão será retirada. A fração é mínima, mas suficiente para atender 12 milhões de pessoas que vivem em situação de insegurança hídrica nas cidades do semi-árido.
Uma comparação mostra o grau do preconceito. Agora em dezembro, reiniciamos na Bahia dois projetos de irrigação, o Salitre e o Baixio, que nada mais são do que transposições - também levam a água do São Francisco de um lugar para outro. Ocorre que a parte retirada pelo Salitre e Baixio soma o triplo do volume do projeto de Interligação. Neste caso, porém, não se ouviu nem dos baianos mais oposicionistas uma crítica sequer. Ao contrário, o Salitre e o Baixio, que vão gerar, quando concluídos, 200 mil empregos no demonizado agronegócio, foram recebidos com louvor ou pelo menos com silêncio reverente.
Fazer de 2008 um ano de esclarecimento e de combate aos preconceitos em torno do projeto de Interligação vai nos ajudar a aperfeiçoá-lo ainda mais. Estou irmanado a Dom Cappio e aos movimentos sociais na luta para aprovar no Congresso a emenda constitucional que assegura R$250 milhões por ano para investimentos na revitalização da bacia.
O Ministério da Integração Nacional também terá condições em 2008 de acelerar o ritmo do abastecimento para as populações difusas, como pediu o bispo e seus assessores. Em 2007 avançamos nos trâmites burocráticos para começar o Ano Novo aduzindo água a 1.800 comunidades dos cinco estados banhados pelo São Francisco, conforme o Programa Água para Todos.
Vamos também atender com mais cisternas e poços quem vive na zona rural de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará. Enquanto realizamos o projeto estruturante de segurança hídrica, que é a Interligação, continuaremos cumprindo as ações complementares do Atlas do Nordeste, elaborado pela ANA em parceria com o Ministério da Integração.
Fui empossado ministro em março desde ano. Nestes nove meses, tiramos do papel o projeto de Interligação, aumentamos as obras de Revitalização e tocamos obras deixadas inacabadas há 10 anos, como o Salitre e o Baixio. Executamos e arrumamos a casa para fazer muito mais em 2008. Mas a maior obra que espero realizar é a da concórdia. Se, no passado, fui contrário à transposição porque antes o projeto retirava um volume muito maior da água do rio e não previa a revitalização, hoje sou seu grande defensor. O diálogo só o tem aprimorado. Por isso, estou sempre aberto a ouvir sugestões.
Vamos no Ano Novo desenvolver um ambiente de conhecimento compartilhado. Precisamos dividir crenças e visões de mundo numa relação de confiança. Um futuro melhor depende da nossa capacidade de desprendimento e solidariedade.
Geddel Vieira Lima é ministro da Integração Nacional e deputado licenciado do PMDB da Bahia. (Do Blog do Noblat)

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