Croniqueta

Tempos de esporte

Ao ver a rapaziada dos Jogos Regionais caminhando pela cidade não pude deixar de relembrar meus tempos de basquete, quando envergando a gloriosa camiseta da Lusa do Canindé conheci um pouco do interior paulista. Em 1964 ou 65 jogamos uma série de partidas em Bebedouro, para onde viajamos em um trem da Paulista. A impressão que guardo da cidade refere-se a uma enorme laranja de concreto, naquela época Bebedouro era a Terra da Laranja, assim como Ubatuba é a Capital do Surf. Não sei como ainda não fizeram um surfista gigante. Ficaria bem ao lado do pescador-remador que paira estático na entrada da cidade. Como sou apreciador de arte cinética fico imaginando a colocação de motores para que o pescador reme e de vez em quando coce o queixo e coloque a mão direita sobre os olhos para protegê-los do sol e assim contemplar melhor a cidade. Ele também poderia pigarrear, mas isso é pedir muito. Voltando a Bebedouro, nossa equipe ficou hospedada em uma pensão agradabilíssima, um casarão enorme com varanda de ladrilhos hidráulicos e antúrios ao lado de cadeiras brancas de madeira, aquelas poltronas clássicas de meia-cana, confortáveis, generosas, onde os hóspedes conversavam depois do café da tarde. Na verdade alguns ficavam por lá o dia inteiro. Jamais esquecerei a sala onde eram servidas as refeições, toda ladeada por cristaleiras de madeira escura. Sobre elas vidros de compotas de todas as frutas que eu conhecia e algumas inéditas, finíssimas compotas, frutas cuidadosamente preparadas e mergulhadas em espessa calda açucarada que cobria o queijo branco que acompanhava o doce. No primeiro dia tomamos o café da manhã e fomos treinar, treinávamos pela manhã e jogávamos à noite. Na hora do almoço a surpresa, cada um ganhou uma porção e quando demos pela coisa não havia como repetir, as travessas tinham ido embora. Quem comeu, comeu, quem não comeu não comeria mais. A sobremesa foi frustrante, meia laranja em calda e um pedacinho de queijo. Ao meu lado nosso pivô, o calmo e tranqüilo “Magirus”, de dois metros e cinco de altura e cento e dez quilos, fez um muxoxo que entendi como sendo de desaprovação. No jantar a coisa se repetiu. Uma sopinha, um prato econômico e um docinho. Jantávamos às seis horas para jogar às nove. Comer frugalmente antes de uma disputa esportiva é bom, mas depois do jogo a fome bate. Nos dois primeiros dias, sexta e sábado, havia o recurso da lanchonete, a única da cidade, lanchonetes eram novidade naquele tempo. Na sexta feira a fome foi saciada em baldes de suco de laranja quase de graça e hambúrgueres, cheeseburgueres, americanos, baurus e o que mais havia, pizzas, esfihas, quibes e churrasquinhos. De sobremesa o estoque de Kibamba foi devorado. Quando o dono da lanchonete nos viu chegando no sábado, abriu um enorme sorriso árabe e suponho que imaginou como seria bom se houvesse basquete todos os dias do ano. No domingo o jogo foi difícil, jogo de decisão, ganhamos na sexta, perdemos no sábado e a “negra” foi disputada com casa cheia de gente com roupa de festa. Ganhamos a duras penas, mas, como eu já disse, foi um jogo cansativo, com duas prorrogações. Saímos da quadra com o estômago nas costas. A lanchonete estava fechada, a cidade dormia cedo para enfrentar a segunda-feira de trabalho. Fomos dormir com fome. Durante a noite foi difícil conciliar o sono, havia um barulho constante, um sussurrar de conversas veladas, portas sendo fechadas com cuidado. Na manhã seguinte saímos sem tomar café, nosso diretor disse que tomaríamos no trem. Ele ficou um longo tempo conversando com o dono da pensão. Eu vi quando preencheu um cheque e entregou ao homem. Já na estação recebemos uma ligação dando conta de que alguém esquecera o relógio. Fui incumbido de buscar, todos riam, eu parecia ser o único sem motivo para rir. Quando entrei na pensão entendi tudo. Os vidros de compota tinham sumido. Deixar um time de basquete sem comer dá nisso. Ou coisa pior. O café da manhã do trem foi ótimo, podíamos pedir quanto quiséssemos. O garçom, com jeitão de Louis Armstrong, trazia sorrindo. Eram bons os tempos em que podíamos viajar nos trens da Paulista.

Sidney Borges

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