Opinião

O regresso dos neoconservadores

João Pereira Coutinho
Quando os Estados Unidos sofreram os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, uma palavra erudita ocupou as atenções da mídia. "Neoconservadorismo". George W. Bush era influenciado pelos "neoconservadores" na resposta aos criminosos. E que resposta seria essa?

Simplificando uma ideologia complexa, o "neoconservadorismo" sempre defendeu que os interesses estratégicos dos Estados Unidos podem estar fora das suas fronteiras. De igual forma, as ameaças a esses interesses também.

Irving Kristol, um dos nomes mais importantes do movimento, gostava de lembrar que a participação americana na Segunda Guerra Mundial espelhava essa verdade: a rigor, o nazismo não era uma ameaça direta para Washington. Mas era uma ameaça para a Europa. E a segurança da América –econômica, estratégica, civilizacional– estava também no velho continente.

Igual raciocínio levou Bush para o Afeganistão e para o Iraque. Sobre o Afeganistão, nada a dizer: se o 11 de Setembro fora patrocinado pela Al Qaeda, era necessário destruir os campos de treino que Osama Bin Laden instalara no país do Taliban.

Mas o Iraque era um caso diferente: primeiro, porque a história das "armas de destruição em massa" cheirava mal para qualquer observador atento.

E, além disso, a remoção de Saddam Hussein significava a destruição da estrutura sunita do país e, pormenor importante, transformava o próprio Iraque em território de vinganças sectárias, sobretudo para a população xiita longamente oprimida pelo carniceiro de Bagdá.

Todos conhecemos o resto da história. Mas Patrick Cockburn, em "The Jihadis Return: ISIS and the New Sunni Uprising", relembra alguns pormenores: entre 2006 e 2014, quando Nouri al-Maliki foi o premiê (xiita) do país, o Iraque poderia ter trilhado um caminho diferente –menos corrupção e alguma brandura para a população sunita.

Não aconteceu. Com a Síria em guerra civil, a mediocridade dos governos de Maliki foi permitindo que um grupo terrorista sunita –hoje conhecido pelo pomposo nome de "Estado Islâmico"– começasse uma luta em duas frentes: contra Bashar al-Assad, sim; mas também contra os xiitas do Iraque. As vitórias foram assinaláveis.

No livro de Patrick Cockburn, acompanhamos essas vitórias: Fallujah, primeiro; Mosul, depois. Mas acompanhamos mais: a total incapacidade dos Estados Unidos (e da Europa, claro) para evitar o desastre.

Barack Obama, convém lembrar, tinha a ambição caridosa de corrigir os erros do seu antecessor, retirando-se o mais depressa possível da região. Patético. A retirada apenas amplificava esses erros, entregando o território à selvajaria dos jihadistas.

Hoje, milhares de refugiados da Síria (mas não só) tentam abandonar o caos e entrar na Europa. Muitos morrem pelo caminho. E os que chegam encontram um continente atônito, que não sabe o que fazer com milhares de pessoas doentes e famintas.

O "Daily Telegraph", em tom sério, até publicou um artigo no qual relembra aos incréus as soluções que têm sido pensadas para a crise dos refugiados.

Anote, leitor: espalhar 160 mil pela Europa inteira; comprar uma ilha no Mediterrâneo só para acomodar os infelizes; enviá-los para o Cambodja (uma ideia australiana); despejar dinheiro sobre o problema; ou transportá-los de avião para a Europa, de forma a evitar naufrágios e outros infortúnios.

Curiosamente, ninguém falou em alugar uma nave espacial e colonizar a Lua com eles. Entendo. Na Lua já habitam os líderes ocidentais, que preferem não ver o "óbvio ululante": a crise dos refugiados só terá solução na origem. Ou, sem eufemismos, com novas ações militares contra o terrorismo jihadista.

A filosofia "neoconservadora" levou Bush para o Afeganistão (certo) e arrastou-o inutilmente para o Iraque (errado). E esse erro alimentou em Barack Obama o mesmo sentimento que os americanos tiveram depois da Primeira Guerra Mundial: um sentimento isolacionista, próprio de quem está cansado de ser a polícia do mundo.

Infelizmente, o mundo não tira férias quando os Estados Unidos decidem regressar para a toca. E não deixa de ser irônico que a filosofia "neoconservadora", depois de todos os erros, seja hoje a única proposta realista para o problema: quando não tratamos dos problemas fora das fronteiras, eles acabam por cruzá-las com fúria e estrondo.

Original aqui

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