Ramalhete de "causos"


Comer ovo é perigoso

José Ronaldo dos Santos
Eu cresci vendo de tudo um pouco. Ainda agora estava pensando em quantos da minha família viveram dramas medonhos devido à “mardita branquinha”, tão comum na nossa cultura caiçara. Afinal, engenhos para a produção de aguardente se estabeleceram no território de Ubatuba desde o ciclo do ouro, no século XVII. Daqui saía, além da pinga, peixe seco e farinha de mandioca.

Um tataravô por parte de pai era proprietário, até o início XX, de um alambique na praia do Pulso. Do funcionamento dele aprendi muito através da vó Martinha. A mesma chegou a trabalhar na produção do precioso produto. Talvez fosse por isso que ela era tão compreensiva com o filho viciado na “manguaça”. Porém, nunca desistiu de procurar um tratamento para o meu estimado tio Chico.

Numa ocasião, em acordo prévio com um médico, a vó Martinha resolveu dar um susto no filho. Poderíamos chamar de “tratamento de choque frustrado”. Foi assim: os dois entraram para a consulta. O doutor, impecavelmente branco, passou quase uma hora dando uma palestra-sermão sobre os efeitos do álcool no organismo humano. Tio Chico, homem do mar, já estava desesperado pelas palavras, pelos nomes de doenças que nem sabia das existências. Disse-me depois que aquilo foi “uma verdadeira surra de língua”. Em seguida, numa didática ensaiada, o doutor quebrou um ovo dentro de um copo, despejou álcool até a metade, esperou um pouco. Logo o ovo estava talhado, semelhante ao leite respingado com sumo de limão.

Pegando aquela coisa esquisita, cuja intenção era mostrar algo semelhante ao que está sujeito o fígado de quem consome bebidas alcoólicas, o doutor perguntou:

- Tá vendo, seo Chico? Tá vendo as condições sob o efeito do álcool? O que o senhor tem a me dizer depois disso?

A resposta do meu tio imediatamente foi:

- Tô vendo sim, doutor! Ainda bem que fui alertado a tempo desse perigo! Deus lhe pague porque eu só posso agradecer! Nunca mais comerei ovo!

Sugestão de leitura: Terra em chamas, de Bernard Cornwell.

Boa leitura!

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