Ramalhete de "causos"
Fogo no rabo
José Ronaldo dos Santos
É impressionante como guardamos as coisas, mesmo sem saber nada delas. Um exemplo é a frase em latim “ignis inferiores naturae” que ouvi algumas vezes; fazia parte de umas rezas que o finado Juraci sempre proferia na capela do Itaguá. Para quem não sabe, o mesmo, além de marceneiro, era o capelão do bairro; homem de fibra tal como o seu amigo e vizinho João de Souza. Era especialista em conduzir orações em latim, língua oficial da Igreja Católica até o Concílio Vaticano II, encerrado em 1965. De lá para cá, as orientações determinaram que tudo fosse traduzido para a linguagem local de cada país ou região. Porém, num tempo em que tudo chegava depois de tudo, até meados de 1980 o tão devotado Juraci continuava com as novenas em latim. Foi desse modo que eu gravei um monte de palavras, pois repetíamos como bons papagaios. O que contava era a sacralidade que as revestia: essa era a fé. Desconfio que nem mesmo o protagonista principal de tais momentos sabia o completo significado de tudo. Entretanto, Isso não o impedia, através de suas rezas, de contagiar a todos com sua devoção e entonação numa língua que não era a nossa.
Em certa ocasião, conversando com o Virgílio, na linha dos jambuis enquanto contemplava o velho Alexandrino mariscando na boca da barra do Acarau, perguntei:
- Virgílio, você que é mais vivido, pode me dizer o que significa “ignis inferiores naturae”?
A resposta dele foi imediata e me satisfez a curiosidade:
- Ah! Essa é fácil! Quer dizer “fogo no rabo”; é o que todo mundo diz.
Demorou muito tempo para que eu conhecesse, através da dona Geni, na biblioteca pública municipal, um dicionário em latim. Lá estava a expressão bem explicada. Só não entendi direito até hoje porque, em certas orações, no espaço sagrado da capela Nossa Senhora das Dores, o nosso capelão sempre se referia ao “fogo de natureza inferior”. Creio que o Virgílio acertou, mesmo que indiretamente: o “chute” inicial de alguém lá nos primórdios desembocou no “fogo no rabo” tão popular na fala do nosso povo. O tal fogo sempre vai existir devido à nossa necessidade animal de copular. E isso é sagrado!
Sugestão de leitura: Crônicas de um bipolar, de Marcelo C. P. Diniz
Boa leitura!
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José Ronaldo dos Santos
É impressionante como guardamos as coisas, mesmo sem saber nada delas. Um exemplo é a frase em latim “ignis inferiores naturae” que ouvi algumas vezes; fazia parte de umas rezas que o finado Juraci sempre proferia na capela do Itaguá. Para quem não sabe, o mesmo, além de marceneiro, era o capelão do bairro; homem de fibra tal como o seu amigo e vizinho João de Souza. Era especialista em conduzir orações em latim, língua oficial da Igreja Católica até o Concílio Vaticano II, encerrado em 1965. De lá para cá, as orientações determinaram que tudo fosse traduzido para a linguagem local de cada país ou região. Porém, num tempo em que tudo chegava depois de tudo, até meados de 1980 o tão devotado Juraci continuava com as novenas em latim. Foi desse modo que eu gravei um monte de palavras, pois repetíamos como bons papagaios. O que contava era a sacralidade que as revestia: essa era a fé. Desconfio que nem mesmo o protagonista principal de tais momentos sabia o completo significado de tudo. Entretanto, Isso não o impedia, através de suas rezas, de contagiar a todos com sua devoção e entonação numa língua que não era a nossa.
Em certa ocasião, conversando com o Virgílio, na linha dos jambuis enquanto contemplava o velho Alexandrino mariscando na boca da barra do Acarau, perguntei:
- Virgílio, você que é mais vivido, pode me dizer o que significa “ignis inferiores naturae”?
A resposta dele foi imediata e me satisfez a curiosidade:
- Ah! Essa é fácil! Quer dizer “fogo no rabo”; é o que todo mundo diz.
Demorou muito tempo para que eu conhecesse, através da dona Geni, na biblioteca pública municipal, um dicionário em latim. Lá estava a expressão bem explicada. Só não entendi direito até hoje porque, em certas orações, no espaço sagrado da capela Nossa Senhora das Dores, o nosso capelão sempre se referia ao “fogo de natureza inferior”. Creio que o Virgílio acertou, mesmo que indiretamente: o “chute” inicial de alguém lá nos primórdios desembocou no “fogo no rabo” tão popular na fala do nosso povo. O tal fogo sempre vai existir devido à nossa necessidade animal de copular. E isso é sagrado!
Sugestão de leitura: Crônicas de um bipolar, de Marcelo C. P. Diniz
Boa leitura!
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