Opinião
A reforma do processo penal
Ae - AE
Com a aprovação pelo Senado - em 2.º turno e por votação simbólica - do projeto do novo Código de Processo Penal (CPP), o Poder Legislativo deu um passo decisivo para modernizar um dos mais defasados institutos do ordenamento jurídico brasileiro. Graças a inovações tecnológicas o novo Código consagra medidas inimagináveis na época em que o atual entrou em vigor, tais como monitoramento eletrônico de presos, realização de videoconferências para depoimentos e interrogatórios e utilização da internet para remessa de informações.
Concebido com base nas diretrizes de política criminal que foram propostas em 1903 pela antiga Liga das Nações, o CPP vigente foi imposto pela ditadura varguista há quase 70 anos, quando eram outras as condições políticas, sociais, econômicas e culturais do País. O projeto do novo Código foi preparado por uma comissão de advogados, promotores, juízes e professores de direito e teve uma tramitação surpreendentemente rápida no Senado. A iniciativa foi tomada em 2007, a comissão iniciou seus trabalhos no ano seguinte e as linhas gerais do projeto foram definidas no início de 2009. Com mais de 700 artigos, o projeto recebeu 214 emendas, das quais 100 foram acatadas pelo relator, senador Renato Casagrande (PSB/ES). Entre 2009 e 2010, o substitutivo foi submetido à apreciação de conselhos profissionais, órgãos de classe e entidades da sociedade civil.
Embora o texto pudesse ter sido submetido ao plenário em junho, o relator propôs que a Comissão de Constituição e Justiça o reexaminasse no segundo semestre deste ano, com o objetivo de descobrir - e corrigir - eventuais equívocos conceituais e técnicos. Foi uma iniciativa ditada pela prudência, tal a quantidade de inovações que o novo código introduz no ordenamento jurídico brasileiro. Além de adequar a legislação processual penal à Constituição de 1988, o novo CPP extingue a prisão especial para quem tem curso superior, estabelece os direitos das vítimas em capítulo especial e agiliza a tramitação das ações criminais, reduzindo o número de recursos e fechando brechas para as manobras protelatórias de advogados de defesa, com o objetivo de obter a prescrição dos crimes cometidos por seus clientes.
Além disso, o novo CPP aumenta o rigor no tratamento do réu, permitindo que a Justiça autorize o sequestro de seus bens e a alienação do material apreendido, antes do julgamento de mérito; redefine a função dos promotores, procurando criar as condições para que o Ministério Público e a polícia possam produzir inquéritos criminais e acusações mais robustas; amplia os casos de decretação de prisão preventiva e, por fim, atualiza os valores da fiança, permitindo aos juízes reduzi-los ou aumentá-los conforme a situação econômica do réu.
A inovação mais polêmica é a que prevê a condução das ações criminais por dois magistrados. O primeiro atuará como um "juiz de garantias" e ficará encarregado da fase de instrução do processo, podendo acolher ou denegar as medidas cautelares pedidas durante as investigações. O segundo magistrado fará o julgamento de mérito e prolatará a sentença, mas não poderá requerer a produção de novas provas. Hoje, um único magistrado exerce as duas funções, o que muitas vezes o leva a exorbitar, pondo em risco os direitos de defesa do acusado.
Embora a inovação seja oportuna, ela esbarra num problema operacional, pois em 50% das comarcas do País só há um juiz criminal. Assim, quando concluir uma investigação, ele terá de se declarar impedido de prolatar a sentença e os autos precisarão ser remetidos para outra comarca, o que pode gerar atrasos e custos. A Justiça poderá nomear um "juiz de garantias regional" para atender essas comarcas. Mas, se ficar assoberbado de trabalho, isso pode inviabilizar a tramitação mais rápida dos inquéritos e ações - como pretende o novo Código de Processo Penal.
O novo Código acolheu as propostas que contavam com maior apoio entre os especialistas. Por isso, o texto não deverá ser objeto de mudanças significativas, quando for votado pela Câmara dos Deputados.
Twitter
Ae - AE
Com a aprovação pelo Senado - em 2.º turno e por votação simbólica - do projeto do novo Código de Processo Penal (CPP), o Poder Legislativo deu um passo decisivo para modernizar um dos mais defasados institutos do ordenamento jurídico brasileiro. Graças a inovações tecnológicas o novo Código consagra medidas inimagináveis na época em que o atual entrou em vigor, tais como monitoramento eletrônico de presos, realização de videoconferências para depoimentos e interrogatórios e utilização da internet para remessa de informações.
Concebido com base nas diretrizes de política criminal que foram propostas em 1903 pela antiga Liga das Nações, o CPP vigente foi imposto pela ditadura varguista há quase 70 anos, quando eram outras as condições políticas, sociais, econômicas e culturais do País. O projeto do novo Código foi preparado por uma comissão de advogados, promotores, juízes e professores de direito e teve uma tramitação surpreendentemente rápida no Senado. A iniciativa foi tomada em 2007, a comissão iniciou seus trabalhos no ano seguinte e as linhas gerais do projeto foram definidas no início de 2009. Com mais de 700 artigos, o projeto recebeu 214 emendas, das quais 100 foram acatadas pelo relator, senador Renato Casagrande (PSB/ES). Entre 2009 e 2010, o substitutivo foi submetido à apreciação de conselhos profissionais, órgãos de classe e entidades da sociedade civil.
Embora o texto pudesse ter sido submetido ao plenário em junho, o relator propôs que a Comissão de Constituição e Justiça o reexaminasse no segundo semestre deste ano, com o objetivo de descobrir - e corrigir - eventuais equívocos conceituais e técnicos. Foi uma iniciativa ditada pela prudência, tal a quantidade de inovações que o novo código introduz no ordenamento jurídico brasileiro. Além de adequar a legislação processual penal à Constituição de 1988, o novo CPP extingue a prisão especial para quem tem curso superior, estabelece os direitos das vítimas em capítulo especial e agiliza a tramitação das ações criminais, reduzindo o número de recursos e fechando brechas para as manobras protelatórias de advogados de defesa, com o objetivo de obter a prescrição dos crimes cometidos por seus clientes.
Além disso, o novo CPP aumenta o rigor no tratamento do réu, permitindo que a Justiça autorize o sequestro de seus bens e a alienação do material apreendido, antes do julgamento de mérito; redefine a função dos promotores, procurando criar as condições para que o Ministério Público e a polícia possam produzir inquéritos criminais e acusações mais robustas; amplia os casos de decretação de prisão preventiva e, por fim, atualiza os valores da fiança, permitindo aos juízes reduzi-los ou aumentá-los conforme a situação econômica do réu.
A inovação mais polêmica é a que prevê a condução das ações criminais por dois magistrados. O primeiro atuará como um "juiz de garantias" e ficará encarregado da fase de instrução do processo, podendo acolher ou denegar as medidas cautelares pedidas durante as investigações. O segundo magistrado fará o julgamento de mérito e prolatará a sentença, mas não poderá requerer a produção de novas provas. Hoje, um único magistrado exerce as duas funções, o que muitas vezes o leva a exorbitar, pondo em risco os direitos de defesa do acusado.
Embora a inovação seja oportuna, ela esbarra num problema operacional, pois em 50% das comarcas do País só há um juiz criminal. Assim, quando concluir uma investigação, ele terá de se declarar impedido de prolatar a sentença e os autos precisarão ser remetidos para outra comarca, o que pode gerar atrasos e custos. A Justiça poderá nomear um "juiz de garantias regional" para atender essas comarcas. Mas, se ficar assoberbado de trabalho, isso pode inviabilizar a tramitação mais rápida dos inquéritos e ações - como pretende o novo Código de Processo Penal.
O novo Código acolheu as propostas que contavam com maior apoio entre os especialistas. Por isso, o texto não deverá ser objeto de mudanças significativas, quando for votado pela Câmara dos Deputados.
Comentários