Opinião
A derrota dos bingos
O Estado de S.Paulo - Editorial
Em sessão marcada por discussões acirradas, acusações de corrupção e suspeita de negociações de voto em troca de dinheiro, a Câmara dos Deputados rejeitou - por 212 votos contra 144 e 5 abstenções - o projeto de lei que autorizava o funcionamento das casas de bingo no País. No embate, a aliança de parlamentares vinculados ao governo com as bancadas católica e evangélica, apoiada por vários setores do Ministério Público, prevaleceu sobre o poderoso lobby dos empresários da jogatina, que mobilizou até a Força Sindical, presidida pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). Na semana passada, ele foi um dos parlamentares que mais se empenharam para pressionar a Mesa da Câmara a colocar a matéria na pauta de votações em regime de urgência.
Ao justificar o projeto, que desde sua apresentação foi visto como o primeiro passo para a abertura total dos jogos de azar, seus defensores invocaram o número de empregos e o aumento de receita fiscal que ele poderia propiciar. Eles alegaram que o bingo poderia criar 300 mil novos postos de trabalho e aumentar a arrecadação em R$ 9 bilhões por ano. O projeto determinava que 14% da receita das casas de bingo fosse aplicada na área de saúde; 1%, em segurança pública; 1%, em esporte; e 1%, em cultura. Também exigia que os estabelecimentos fossem instalados a mais de 300 metros de distância de escolas e templos religiosos, tivessem fachada discreta e impedissem a entrada de menores de 18 anos e de viciados em jogos de azar, que deveriam ser listados em cadastro nacional. E, para tentar diminuir a rejeição ao projeto, os empresários do setor aceitaram retirar do texto a permissão de funcionamento das máquinas de caça-níqueis.
O governo se opôs ao projeto. Para a equipe econômica, o funcionamento das casas de bingo seria uma porta aberta para operações ilícitas, tais como sonegação fiscal, lavagem de dinheiro do contrabando e do narcotráfico, trocas societárias fraudulentas, abertura de empresas offshore e caixa 2. Para a assessoria jurídica da Casa Civil, a aprovação do projeto ampliaria ainda mais o raio de ação do crime organizado no País, podendo levar à disputa armada entre quadrilhas pelo controle de determinadas áreas.
Para os estrategistas políticos do Palácio do Planalto, ele poderia gerar novos casos de corrupção na administração pública - a exemplo do que ocorreu no início de 2004, quando Waldomiro Diniz, subchefe de assuntos parlamentares da Presidência da República e subordinado ao então ministro José Dirceu, foi filmado pedindo propina ao empresário de jogos Carlinhos Cachoeira.
A gravação deflagrou o primeiro escândalo do governo Lula, levando à criação de uma CPI na Câmara e ao subsequente fechamento de todas as casas de bingo, por meio de medida provisória. Nos anos seguintes, diversas operações da Polícia Federal flagraram servidores da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional vendendo "serviços" para "empresários" de jogos. O poder corruptor do jogo é tão grande que envolveu até o Poder Judiciário, levando o Conselho Nacional de Justiça a determinar a aposentadoria de um ministro do Superior Tribunal de Justiça, que foi flagrado negociando liminares com donos de máquinas de caça-níqueis.
Parlamentar experiente, o futuro ministro da Justiça, deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), foi taxativo quando, ao votar contra o projeto, afirmou que sua aprovação "traria mais malefícios do que benefícios para o País e permitiria a lavagem de dinheiro".
A trajetória do projeto, por sinal, evidencia a natureza dos interesses agora derrotados na Câmara. Originariamente, ele foi apresentado pelo deputado Mendes Thame (PSDB-SP), com o objetivo de fechar todas as brechas para a legalização de jogos de azar. Mas, nas comissões técnicas, relatores vinculados ao neopeleguismo e a donos de casas de bingo aproveitaram a oportunidade para apresentar substitutivos com propósitos diametralmente opostos.
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O Estado de S.Paulo - Editorial
Em sessão marcada por discussões acirradas, acusações de corrupção e suspeita de negociações de voto em troca de dinheiro, a Câmara dos Deputados rejeitou - por 212 votos contra 144 e 5 abstenções - o projeto de lei que autorizava o funcionamento das casas de bingo no País. No embate, a aliança de parlamentares vinculados ao governo com as bancadas católica e evangélica, apoiada por vários setores do Ministério Público, prevaleceu sobre o poderoso lobby dos empresários da jogatina, que mobilizou até a Força Sindical, presidida pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP). Na semana passada, ele foi um dos parlamentares que mais se empenharam para pressionar a Mesa da Câmara a colocar a matéria na pauta de votações em regime de urgência.
Ao justificar o projeto, que desde sua apresentação foi visto como o primeiro passo para a abertura total dos jogos de azar, seus defensores invocaram o número de empregos e o aumento de receita fiscal que ele poderia propiciar. Eles alegaram que o bingo poderia criar 300 mil novos postos de trabalho e aumentar a arrecadação em R$ 9 bilhões por ano. O projeto determinava que 14% da receita das casas de bingo fosse aplicada na área de saúde; 1%, em segurança pública; 1%, em esporte; e 1%, em cultura. Também exigia que os estabelecimentos fossem instalados a mais de 300 metros de distância de escolas e templos religiosos, tivessem fachada discreta e impedissem a entrada de menores de 18 anos e de viciados em jogos de azar, que deveriam ser listados em cadastro nacional. E, para tentar diminuir a rejeição ao projeto, os empresários do setor aceitaram retirar do texto a permissão de funcionamento das máquinas de caça-níqueis.
O governo se opôs ao projeto. Para a equipe econômica, o funcionamento das casas de bingo seria uma porta aberta para operações ilícitas, tais como sonegação fiscal, lavagem de dinheiro do contrabando e do narcotráfico, trocas societárias fraudulentas, abertura de empresas offshore e caixa 2. Para a assessoria jurídica da Casa Civil, a aprovação do projeto ampliaria ainda mais o raio de ação do crime organizado no País, podendo levar à disputa armada entre quadrilhas pelo controle de determinadas áreas.
Para os estrategistas políticos do Palácio do Planalto, ele poderia gerar novos casos de corrupção na administração pública - a exemplo do que ocorreu no início de 2004, quando Waldomiro Diniz, subchefe de assuntos parlamentares da Presidência da República e subordinado ao então ministro José Dirceu, foi filmado pedindo propina ao empresário de jogos Carlinhos Cachoeira.
A gravação deflagrou o primeiro escândalo do governo Lula, levando à criação de uma CPI na Câmara e ao subsequente fechamento de todas as casas de bingo, por meio de medida provisória. Nos anos seguintes, diversas operações da Polícia Federal flagraram servidores da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional vendendo "serviços" para "empresários" de jogos. O poder corruptor do jogo é tão grande que envolveu até o Poder Judiciário, levando o Conselho Nacional de Justiça a determinar a aposentadoria de um ministro do Superior Tribunal de Justiça, que foi flagrado negociando liminares com donos de máquinas de caça-níqueis.
Parlamentar experiente, o futuro ministro da Justiça, deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), foi taxativo quando, ao votar contra o projeto, afirmou que sua aprovação "traria mais malefícios do que benefícios para o País e permitiria a lavagem de dinheiro".
A trajetória do projeto, por sinal, evidencia a natureza dos interesses agora derrotados na Câmara. Originariamente, ele foi apresentado pelo deputado Mendes Thame (PSDB-SP), com o objetivo de fechar todas as brechas para a legalização de jogos de azar. Mas, nas comissões técnicas, relatores vinculados ao neopeleguismo e a donos de casas de bingo aproveitaram a oportunidade para apresentar substitutivos com propósitos diametralmente opostos.
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