Opinião

A conferência da educação

Editorial do Estadão
Criadas há mais de duas décadas a pretexto de fortalecer os mecanismos populares de representação política, mediante o envolvimento dos diferentes setores da sociedade civil e instâncias governamentais na formulação de políticas públicas, as conferências nacionais têm sido amplamente utilizadas pelo governo Lula para conquistar o apoio de movimentos sociais, ONGs e corporações profissionais. Apresentadas como alternativa ao modelo da democracia representativa, elas começam com reuniões locais, prosseguem com reuniões estaduais e culminam num encontro nacional, sempre com articulação e patrocínio do governo.


A ideia é que as diretrizes e propostas aprovadas com base nesse "experimentalismo democrático" acabem subsidiando programas governamentais e se convertam em lei. Para os defensores desse modelo, as "práticas participativas em escala nacional" resultam em projetos com mais legitimidade do que os formulados pelos canais legislativos tradicionais. Já foram realizadas 2 conferências no governo Collor, 6 no governo Itamar, 17 no governo FHC e 55 nos dois mandatos de Lula. Tiveram grande repercussão as conferências sobre comunicações e direitos humanos que, dado o viés ideológico que caracteriza o "participacionismo", culminaram em propostas de cerceamento das liberdades, limitando o direito de informação, impondo dificuldades para a expansão da iniciativa privada no campo da mídia e criando conselhos e órgãos corporativos sob controle governamental.

Por isso, pouco se pode esperar dessa experiência para o aperfeiçoamento da democracia. Convocada para discutir o futuro da educação, a conferência mais recente, realizada essa semana, não fugiu à regra. Foram apresentadas mais de 5 mil propostas e o objetivo do ministro Fernando Haddad é aproveitar as que forem aprovadas pelos 3 mil delegados para definir o Plano Nacional de Educação, que vai estabelecer as diretrizes do ensino público de 2011 a 2020. A ideia é enviar o projeto para o Congresso e mobilizar a base governista para tentar aprová-lo este ano - o que parece bastante improvável.

Defendida pelo Ministério da Educação, a proposta mais ambiciosa postula para o ensino uma estrutura administrativa nos moldes do Sistema Único de Saúde. A ideia é criar um processo decisório compartilhado, por meio de um órgão normativo integrado por representantes do MEC, gestores estaduais e municipais, trabalhadores do setor e organizações sociais. Com isso, a União teria flexibilidade para atualizar o currículo do ensino básico. Já as secretarias municipais e estaduais da educação seriam obrigadas a adotá-lo, mas teriam liberdade para implementá-lo.

De saída, a proposta esbarra em dois problemas. O primeiro é orçamentário - o próprio MEC reconhece que, para ter sucesso, ela precisará de vultosas verbas adicionais. O segundo problema é político. A proposta compromete a autonomia dos Estados e municípios, consagrada pela Constituição. Além disso, não faz sentido esvaziar o Conselho Nacional de Educação, que é integrado por especialistas, repassando as prerrogativas para um órgão normativo com representação de "trabalhadores e organizações sociais".

Mais uma vez uma conferência nacional foi utilizada com propósitos corporativos. E isso fica ainda mais evidente nas propostas que tratam de salários e de carga horária. Os docentes querem ganhar mais e trabalhar menos. Em nome da isonomia, os servidores administrativos das escolas e secretarias querem as mesmas regalias pleiteadas pelos professores. De onde sairia o dinheiro para tanta gastança? - indagam alguns secretários municipais de educação. Da flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal e da aprovação de uma lei que obrigue a União a aumentar os investimentos em educação em 1% do PIB por ano, até chegar ao patamar de 10%, em 2014, responderam os participantes da 1.ª Conferência Nacional da Educação.
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