Abril

Incompetência

Sidney Borges
Quando tropas argentinas invadiram as Falklands/Malvinas com a intenção de torná-las território argentino, em 2 de abril de 1982, muita gente se surpreendeu. Eu nem tanto por saber dos planos dos militares do país vizinho. Naquele tempo não havia internet nem fax, as notícias circulavam o mundo pelo teletipo, máquina estranha, fantasmagórica, que começa a trabalhar de repente, assustando os madrugadores das redações.

Por obra do destino chegou às minhas mãos, em Buenos Aires, uma revista publicada pela Marinha Argentina, de tiragem limitada e circulação dirigida. Chamava-se “Cabildo” e tratava de questões militares com os vizinhos. Questões que poderiam ser resolvidas pela força na óptica do almirante que assinava a maioria dos textos da edição.

Em primeiro plano vinha a questão chilena que envolvia as Ilhas de Beagle, Lennox, Picton e Nueva, que estavam em disputa e que, em 1978, quase levaram Argentina e Chile à guerra. Depois o Território das Missões, considerado argentino. Um detalhado plano de invasão, com gráficos e estatísticas, mostrava como seria o ataque que dividiria o Brasil ao meio e daria o almejado território aos argentinos. Faltou explicar o que aconteceria quando o Brasil contra-atacasse. Mero detalhe. Por último o escriba inconseqüente citava as Ilhas Malvinas, ocupadas pelos ingleses em 1833 e, desde então, reivindicadas pela Argentina. A distância do Arquipélago à Europa dava a quase certeza de que os ingleses não teriam opção senão negociar. E a negociação seria feita com o fato consumado da ocupação argentina.

A revista era de 1976, ano em que os militares tomaram o poder. Voltei ao Brasil com ela na bagagem e li e reli os artigos inúmeras vezes. Cheguei à conclusão que só a terceira opção era viável, o Chile tinha um exército aguerrido e domínio dos mares ao sul do continente. O Brasil era mais forte em todos os aspectos, tinha mais gente, maior poderio militar, industrial e econômico. Duas paradas indigestas. Restava a terceira opção, a mais viável, invadir as Ilhas Malvinas.

Com o tempo esqueci-me da revista, que acabou sumindo em minhas mudanças. O regime militar argentino revelou-se um fracasso. Sanguinário e incompetente levou a Argentina à bancarrota.

No início de 1982 Leopoldo Galtieri era o presidente da vez. O General assumiu o cargo em dezembro de 1981, sucedendo a Carlos Alberto Lacoste em momento turbulento, todos falavam e ninguém se entendia.

Com voz de cantor de tango e aparentando estar sempre três doses acima, Galtieri vivia um verdadeiro inferno astral, o regime caia de podre e não havia nada que indicasse mudança de rumo. Abismo ou abismo.

Certo dia Galtieri serviu-se de uma dose dupla de “12 anos” e teve uma visão. Era preciso mobilizar as massas em uma questão nacional. A Copa do Mundo de 1978, de Videla, tinha dado resultado, o povo momentaneamente viu-se longe da ditadura e comemorou a vitória, apesar da farsa do jogo com o Peru. Em 2 de abril de 1982 tropas argentinas invadiram as Ilhas Malvinas e conquistaram Stanley sem enfrentar resistência.

Napoleão dizia que guerra é assunto sério demais para ser resolvido por militares. A história mostra que ele não estava totalmente destituído de razão. A invasão de Tarawa, na Segunda Guerra Mundial é um exemplo. Rendeu medalhas aos oficiais que planejaram a operação e lápides aos soldados que a executaram. Deveria ter rendido corte marcial. Uma ilhota de coral atacada por uma força de 35 000 homens e defendida por 4500, custou 3500 baixas americanas. Hoje sabe-se que poderia ter sido conquistada apenas com bombardeios aéreos e navais.

Quando a Argentina atacou, imaginei que não haveria como a Inglaterra retaliar. As Malvinas distam apenas 700 km. Com uma ponte aérea eficiente seria possível deslocar armas pesadas e tropas em número suficiente para fazer os ingleses pensarem duas vezes. O boquirroto Galtieri, sempre três doses acima, apareceu na televisão advertindo que quem tocasse na bandeira hasteada nas ilhas pagaria caro.

A força tarefa inglesa começou a se deslocar para o Atlântico Sul em velocidade de tartaruga. Os ingleses são prudentes, se não houvesse condição de atacar eles negociariam. Enquanto os navios se arrastavam os serviços de espionagem via satélite – cortesia dos americanos - informavam que nada estava acontecendo. Fortificações não eram erguidas, pistas de pouso metálicas, emergenciais, não tinham sido detectadas e não havia sinais de tropas desembarcando. Informes dos kelpers, via rádio, diziam que as tropas invasoras eram constituídas por recrutas sem preparo e sem vestimentas adequadas. Para temperaturas de até 15 graus abaixo de zero os “pibes” vestiam fardas de tergal. E tinham ração alimentar limitada.

Os valentes “generais”, torturadores de freiras e mulheres grávidas, esqueceram-se de que soldados comem. Reunindo informações daqui e dali os serviços de informações ingleses concluíram que a invasão tinha sido um ato desesperado, sem qualquer tipo de planejamento.

As máquinas foram aceleradas. Vamos terminar logo com isso foi a ordem do almirantado.

O que aconteceu depois é de conhecimento público. Alguns bravos aviadores argentinos mostraram que nem todos os militares eram do calibre de Galtieri e Menendez e deram a vida pela pátria. De nada adiantou, nem mesmo a resistência dos garotos nas trincheiras cheias de água. Famintos enfrentaram tropas profissionais aquecidas, alimentadas e bem armadas. Mais de 600 tombaram. Por nada e para nada.

No dia 14 de junho de 1982 a guerra terminou com a rendição incondicional das tropas argentinas.

Em 17 de junho o sempre três doses acima, general Leopoldo Galtieri, renunciou. Não deixou saudades. Merecia ter na lápide a frase curta: “Foi incompetente”.

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