Opinião

O ''vírus da paz'' de Lula

Editorial do Estadão
Desta vez, a proverbial sorte do presidente Lula parece tê-lo deserdado. Ele desembarcou domingo em Tel-Aviv em meio a uma rara crise entre Israel e os Estados Unidos e a mais um bloqueio da Cisjordânia em represália a um novo surto de manifestações palestinas contra a política israelense de anexações em Jerusalém Oriental. Nesse ambiente, a pretensão de Lula de ser o "profeta do diálogo" - como foi chamado dias antes pelo jornal israelense Haaretz - se revelou, no mínimo, fútil. Enquanto o brasileiro fazia as malas para a viagem de 5 dias que o levará também aos territórios ocupados sob o controle nominal da Autoridade Palestina (AP) e, por fim, à Jordânia, um ministro israelense ainda mais à direita do que o premiê Benjamin Netanyahu fez o que em outras circunstâncias seria impensável.


Em plena visita do vice-presidente americano, Joe Biden, ele anunciou a construção de 1.600 moradias em Jerusalém Oriental, onde os palestinos querem instalar a capital do seu futuro país. Foi um golpe deliberado nos esforços do governo Obama para ressuscitar as negociações de paz na região, congeladas desde dezembro de 2008. Biden saiu humilhado de Israel. Em Washington, a secretária de Estado Hillary Clinton se disse "insultada" e o principal assessor do presidente, David Axelrod, falou em "afronta". Se Israel se permite ofender a tal ponto o seu maior e mais poderoso protetor, para não dar aos palestinos o Estado contínuo e viável reclamado pela comunidade internacional, incluídos os EUA, que diferença Lula imagina que poderá fazer?

Ontem, ele disse ser portador, "desde que estava no útero da minha mãe", do "vírus da paz". O metafórico micróbio não contaminou os israelenses. O presidente Shimon Peres foi absolutamente protocolar quando disse em discurso saber que o brasileiro trazia uma mensagem de paz - e que "sua contribuição será bem-vinda". Do lado israelense é que não será. Primeiro, porque a ideia lulista de "ouvir mais gente", como já não bastassem a ONU, a União Europeia, os Estados Unidos e a Rússia, é anátema para um governo que acha que a maioria dos países tende a ser pró-palestinos e quer forçar Israel a concessões "inaceitáveis" (como coibir os assentamentos na Cisjordânia e dividir Jerusalém em duas). Segundo, porque a "gente" em que Lula pensa inclui ninguém menos do que o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, que prega a erradicação de Israel (perto disso, a negação do Holocausto é detalhe).

Segundo o assessor Marco Aurélio Garcia, o Irã não pode ser ignorado porque tem "influência de peso" na questão. É o contrário. A República Islâmica é que não poderá ignorar o eventual acordo de paz a que se opõe porque legitimaria o Estado judeu. Influência de peso na questão, isso sim, tem a Liga Árabe, a começar da Arábia Saudita. Em 2002, os sauditas conseguiram que a entidade aprovasse um plano de paz pelo qual, em troca da devolução dos territórios tomados na Guerra dos Seis Dias as relações entre Israel e o mundo árabe seriam "normalizadas". Deu em nada. Há pouco, a Liga defendeu a retomada de negociações - indiretas - entre Israel e a Autoridade Palestina. (Dezessete anos depois do aperto de mãos de Yitzhak Rabin e Yasser Arafat na Casa Branca, fala-se em conversações indiretas como se fosse um progresso.)
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