Pensata

Dica às pitonisas

Sidney Borges
Está difícil olhar as notícias. Os dramas próximos parecem - e são - mais intensos. Morre gente no Iêmen, explodem carros-bomba no Paquistão. Leio e nada acontece nas cordas vibrantes da minha sensibilidade. Mas aqui ao lado, em Angra dos Reis, é diferente. Não posso deixar de me emocionar com a história da família que comprou o fim de ano dos sonhos.

Pai, mãe e duas filhas, de 9 e 12 anos, foram passar o reveillon em uma pousada na Ilha Grande. Montanha, mar, tranqüilidade, aconchego. A montanha não suportou o aguaceiro e veio abaixo. Da família restou o pai tetraplégico. A mãe está em coma profundo na UTI, talvez não sobreviva. As meninas morreram. Isso é o que eu chamo de tragédia.

Não é preciso ter sido ungido pela sabedoria do Oráculo de Delfos para afirmar que em dezembro de 2010 teremos enchentes, deslizamentos, mortes, gente desabrigada, choro e ranger de dentes. Acontece quase todos os anos, varia a época, pode ser em dezembro, janeiro, fevereiro ou até março, mas sempre acontece.

Nas lembranças da infãncia está gravada a chuva do Natal de 1960. Sem ver a ponte do Tamanduateí transbordado, Seu Manoel, próspero comerciante do ramo de panificação entrou no rio com o Chevrolet 34. No carro viajavam três filhos pequenos. Acompanhavam o pai que levara para casa parentes que haviam comemorado o Natal com eles.

No mesmo dia, pela manhã, outros dois vizinhos, pai e filho, desceram do bonde na Rua São Jorge, iam ao Corinthians jogar bocha e comemorar o Natal com os companheiros. Morreram atropelados. Um carro na contramão lançou-os para o alto e fugiu sem prestar socorro.

No dia seguinte acompanhei dois velórios na mesma rua. Era costume velar os mortos em casa. O choque foi grande, crianças não entendem direito essa coisa de morte, não que adultos entendam, mas para crianças a vida é cheia de surpresas agradáveis. Morrer parece estranho, fora de propósito.

Comemoro a volta do Sol neste sábado luminoso. Não sei se foi por causa das tragédias que acompanhei na infância, mas depois de adulto prefiro ficar em casa quando há deslocamentos em massa. Os documentários do Discovery sobre manadas de gnus migrando no Serengeti reforçam minha disposição de pilotar a poltrona da sala enquanto a poeira não baixa.

Mas gosto de comemorações, apesar de ter como certo que não dependem da geografia. São coisas da alma, fenômenos vibratórios. Tanto faz aqui ou pra lá de Bagdá, o que importa é a disposição emocional de compartilhar momentos da existência com a mente quieta, a espinha ereta e o coração tranqüilo. Em companhia de amigos, raros que são.

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