Coluna da Segunda-feira

Progressão continuada

Rui Grilo
Normalmente quando se começa a discutir a qualidade da educação brasileira, a progressão continuada é a bola da vez, a causa de todas as desgraças da escola, contra a qual se disparam todas as críticas. Assim, no Comitê de Mobilização pela Educação do Ipiranguinha a questão apareceu e foi pautadao para uma próxima reunião porque é uma discussão complexa, onde entram muitas variáveis.

Comecei a pesquisar na internet e uma surpresa é que há um grande número de estudos feitos por economistas, administradores e até pesquisadores da área da saúde. Em um estudo de Sergei Suarez Dillon, publicado pelo IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – que comparou o desempenho da educação em cerca de 50 países, encontramos a seguinte conclusão:

“nos países que aprovaram a adoção da política de progressão continuada, sem repetência, independentemente de serem ou não desenvolvidos, em geral os alunos apresentam as melhores notas em testes padronizados destinados a medir a qualidade de ensino em diferentes países.”

A razão desse tema ser estudado por economistas e administradores é porque o desenvolvimento de um país fica comprometido se não houver a democratização de uma educação de qualidade para todos. A repetência traz prejuízos para todos porque aumenta os custos, reduz a oferta de vagas para novos alunos, obrigando à construção de mais escolas e contratação de mais educadores e abala a autoestima da pessoa, tendo como conseqüência a evasão da escola e o fechamento de perspectivas para o indivíduo.

A progressão continuada não é obrigatória para todo o sistema escolar brasileiro mas uma opção que a Lei Federal 9394 de 20/12/96, a Lei das Diretrizes e Bases da Educação, abriu aos sistemas estaduais, municipais e às escolas particulares. No entanto, a seriação tradicional ainda é a opção de 90% das escolas e de 80% das matrículas. Então, a redução do desempenho não pode ser atribuída à adoção da progressão continuada em lugar da seriação.

Para Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva, Secretária de Educação Básica do MEC, a proposta central da progressão continuada é a pronta identificação das dificuldades de cada aluno no ano letivo e sua pronta resolução de maneira a evitar a reprovação. O que minha experiência constata é que esse procedimento não tem sido adotado. Em classes com mais de 30 alunos, principalmente nas séries iniciais, fica difícil para o professor dar uma atenção mais individualizada. A demora no apoio faz com que o aluno não consiga acompanhar os demais, dificultando o processamento de novos conhecimentos e, com isso, causando a indisciplina ou apatia.

Os indicadores educacionais apontam para a diminuição do grau de desempenho à medida em que se democratiza o acesso . No entanto, essa redução do desempenho é menor quando comparada com a ampliação de vagas. De acordo com Estatísticas do Século XX, do IBGE, em 1933, a matrícula geral no ensino primário atingiu 2.238.773; no ensino médio, 108.305 e no superior, apenas 22.851. Em 1998, no ensino primário atingiu 44.708.589; no médio, 35.792.554 e, no superior, 1.947.504. Então, se percebe que a escola que muitos consideram boa era uma escola para uma elite. Para se ampliar o ensino para todos era necessário que também se ampliasse significativamente os recursos. Democratizou-se o acesso mas não se garantiu a permanência e a elevação da qualidade do desempenho.

Para efeito de comparação, se uma dona de casa tem um quilo de carne para dividir entre 5 pessoas, cada um terá direito a duzentas gramas; se houver dez ou mais pessoas, fica claro que a parte destinada a cada um será bem menor. No momento em que a escola se abre para um grupo maior e com necessidades diferentes porque a situação social e da família está em constante mudança, a escola não se adequou a essa nova realidade, continuando com os instrumentos tradicionais: a garganta do professor, lousa e giz. Para atender essa nova clientela, nem a escola, nem o professor foram preparados.

A abertura da escola para todos foi uma longa luta que nos remete às palavras de ordem da Revolução Francesa : liberdade, igualdade e fraternidade. Para haver igualdade é necessário que os direitos básicos, entre os quais a educação, sejam garantidos a todos. No entanto, o acesso a quase todos (mais de 95%) é uma conquista da população na última década e não uma benesse ou favor dos governantes.

Pesquisas recentes apontaram que no período abaixo dos sete anos é um momento propício para o desenvolvimento de diversas competências fundamentais para o bom desempenho nos anos posteriores. A pré-escola passa a ser vista não apenas como uma solução para as mães que trabalham mas como o início e momento fundamental para aquisição de conhecimentos e desenvolvimento de atitudes e habilidades. No entanto, esse período não estava coberto pela obrigatoriedade de fornecimento de vaga e de recursos pelo Estado. A falta de atendimento pela pré-escola para as crianças mais pobres dificultava o desempenho no ensino fundamental, exigindo um período mais longo para o desenvolvimento da alfabetização.

A luta e a mobilização dos movimentos em favor da democratização da educação e garantia de recursos levou a transformação do FUNDEF – Fundo Para o Desenvolvimento do Ensino Fundamental – para o FUNDEB - Fundo para o Desenvolvimento do Ensino Básico, que estende os recursos à pré-escola, à educação de adultos e ao ensino médio. Portanto, a luta pela melhoria da escola continua urgente e necessária por parte de todos e todas.
Rui Grilo
ragrilo@terra.com.br

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