Opinião

Retrocesso em Honduras

Editorial do Estadão
A condenação unânime e imediata à derrubada do presidente de Honduras, José Manuel Zelaya, deixou claro que não há mais espaço no Continente para a contemporização com golpes militares - embora o sistema interamericano não tenha idêntica prontidão de resposta diante de outras modalidades de solapamento da democracia, como as que vêm sendo sistematicamente levadas a cabo por Hugo Chávez na Venezuela. De todo modo, louve-se a resolução tomada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), no mesmo domingo em que Zelaya foi removido à força do palácio presidencial e desterrado para a Costa Rica. A entidade não apenas condenou o uso da força para a retirada de um presidente cujos abusos poderiam ter sidos contidos por meios constitucionais - como o impeachment -, como exigiu a recondução de Zelaya e decidiu que nenhum dos seus 34 países-membros reconhecerá qualquer governo hondurenho "que seja resultado dessa ruptura inconstitucional".

No entanto, a inequívoca tomada de posição da OEA, em nome da Carta Democrática adotada pelo organismo em 2001 e citada três vezes na resolução do seu Conselho Permanente, reunido em Washington, não autoriza que se omita a parcela de responsabilidade de Zelaya pelo retrocesso. A derrubada de Zelaya evocou memórias que se imaginavam sepultadas do passado desse pequeno país centro-americano, submetido durante décadas a sucessivos regimes militares, e que só a partir de 1981 passou a conhecer eleições livres. Provavelmente por isso mesmo, a Constituição hondurenha proíbe a reeleição, a qualquer tempo, de seus presidentes. Essa salvaguarda começou a ser posta em xeque pelo presidente desde que, no ano passado, atrelou seu país ao bloco chavista da Aliança Bolivariana para as Américas (Alba).

Empresário e fazendeiro, o espetaculoso Zelaya se elegera três anos antes pelo Partido Liberal, não menos conservador, apesar do nome, que a outra agremiação, o Partido Nacional, com a qual compartilha a hegemonia política. A sua surpreendente aproximação com Chávez o levou a convocar por decreto, em março, uma consulta popular que dividiu os seus correligionários, rompeu o tácito pacto de poder estabelecido entre as duas legendas e, mais importante ainda, alinhou contra si a Suprema Corte e o Congresso. Ambos os poderes consideraram ilegal o plebiscito convocado para domingo, no qual o eleitorado deveria se pronunciar sobre a eventual convocação de uma Constituinte juntamente com as eleições gerais de 29 de novembro. Ficou patente que a intenção de Zelaya com a nova Carta era reproduzir em Honduras o padrão chavista da reeleição presidencial adotado na Bolívia e no Equador - para não falar do caso-limite da própria Venezuela, onde o caudilho conseguiu aprovar o direito de ser reeleito quantas vezes consiga.

A firme oposição do Parlamento - que aprovou lei proibindo a realização de consultas populares 180 dias antes e depois das eleições - e da Suprema Corte à ideia, reprovada também pela imprensa hondurenha, não o fez recuar, como seria o caminho natural de um governante comprometido com a manutenção das instituições democráticas. E, na semana passada, quando o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Romeo Vasquez, se recusou a engajar a tropa no apoio logístico à consulta - como é de praxe nas eleições do país -, Zelaya jogou gasolina no incêndio, destituindo-o. Na sexta-feira, numa entrevista à CNN, ele deu o dito pelo não dito, mas, a essa altura, o estrago estava feito. A Suprema Corte ordenou que o Exército destituísse o chefe do governo e o embarcasse para o exterior, por manter a consulta declarada ilegal, enquanto os deputados nomeavam para o seu lugar o presidente do Congresso, Roberto Micheletti.
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