Opinião

As mudanças na Lei Rouanet

Editorial do Estadão
Depois de anunciá-la com grande antecedência, o governo finalmente apresentou a primeira versão do projeto da nova Lei de Fomento e Incentivo à Cultura, que substituirá a Lei Rouanet, em vigor há 18 anos. Segundo o ministro da Cultura, Juca Ferreira, as mudanças têm por objetivo reestruturar o Fundo Nacional da Cultura, diversificar as fontes de financiamento para projetos culturais e "democratizar a destinação dos recursos".

O projeto, no entanto, não se limita a estabelecer uma nova sistemática de incentivos fiscais. Vai muito além disso, no que parece ser mais uma tentativa de estabelecer o dirigismo cultural, na medida em que diminui a liberdade das empresas de selecionar os projetos em que querem investir e acrescenta uma espécie de "vale-cultura" - ao lado do tíquete-alimentação e do vale-transporte - ao pacote de benefícios trabalhistas existentes no País. Além disso, o projeto cria uma loteria, em parceria com a Caixa Econômica Federal e outras instituições financeiras, para incentivar atividades culturais.

O vale-cultura, no valor máximo de R$ 50 mensais, poderá ser usado em cinema, teatro, shows e espetáculos culturais em geral. O trabalhador arcaria com 20% de seu custo, a União bancaria 30% e os 50% restantes seriam pagos pelas empresas. "Existe um apartheid cultural no Brasil e poucos têm acesso à cultura", diz Ferreira, lembrando que 90% dos municípios não têm "espaços multiuso" e que 78% dos brasileiros jamais assistiram a um espetáculo de dança, 93% jamais foram a uma exposição de arte e 92% não frequentam museus e teatros. Para o ministro, as empresas que aceitarem bancar o vale-cultura estarão fazendo uma "parceria" com o governo.

Outro ponto polêmico na proposta do MinC são os critérios de distribuição dos incentivos. A Lei Rouanet permite que projetos aprovados pela Comissão Nacional de Incentivos à Cultura recebam patrocínios de empresas, financiados com abatimento de parte do Imposto de Renda. As empresas têm liberdade de escolher, entre os projetos aprovados, os que pretendem financiar. Já a proposta do MinC limita essa prerrogativa e cria uma comissão com composição paritária entre governo e "sociedade civil" para definir faixas diferenciadas de incentivo.

A inovação não foi bem recebida nos meios empresariais. Empresas e produtores culturais alegam que os critérios de escolha dos representantes da chamada "sociedade civil" são muito imprecisos, podendo resultar em favorecimentos e escolhas políticas. "A decisão vai variar conforme a pessoa que estiver no governo", diz Sérgio Ajzenberg, diretor de uma empresa em que metade de seus trabalhos depende dos incentivos da Lei Rouanet.

Para justificar a mudança, o ministro Juca Ferreira alega que as grandes empresas só patrocinam projetos culturais que dão retorno de imagem, em prejuízo de atividades culturais de baixo apelo de marketing, como folclore regional, manifestações culturais indígenas e de minorias étnicas. Os produtores culturais rebatem a crítica, alegando que não cabe a uma lei de incentivos corrigir essa distorção.
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