Crônica
Por quê?
Marcelo Mirisola*
Semana passada o bicho da insensatez pegou aqui no Rio. Quando a PM subiu a Ladeira dos Tabajaras e matou meia dúzia de homens-animais. Uma redundância. O assunto e as mortes. Eu, como cronista que me obrigo a achar pontos de intercessão entre o lugar-comum e o mínimo de originalidade, fico constrangido em estar afundado até o pescoço no medo e – principalmente – me sinto limitadíssimo em ter de reproduzir o óbvio. Qual seja: por que liberam as novelas da Glória Perez e não liberam o uso da maconha? Por que o Daniel Dantas mora numa cobertura na Vieira Souto e o Marcola passa seus dias em no presídio de Presidente Venceslau? Por que a Ivete Sangalo tem caminhões de som à sua disposição e o Fernandinho Beira-Mar continua incomunicável? Por que não prendem o cirurgião plástico que deixou o traficante colombiano – alguém ainda lembra do Abadia? – com a cara da Hebe Camargo?
O óbvio agride. E que conversa é essa de tripudiar do cadáver do Clodovil santificando-o antes mesmo de apodrecer? Nunca vi um cara ser tão perseguido e ridicularizado em vida como esse Clodovil, e agora – depois de morto – além de estadista, até macho ele virou. Por que proíbem a venda da biografia do Roberto Carlos e todo final de ano a Globo faz um especial com ele? Por que essa gente que manda o Chávez se calar dá tapinha nas costas do Lula, o boca de esgoto? Foi o Ruy Castro quem disse para o Jô Soares que ele é escritor? E quem disse para o Ruy Castro que ele é algo diferente de um bom jornalista?
Por que o Chico Buarque não volta a fazer o que ele sabe? O Unibanco e o Itaú juntos são a maior grupo financeiro privado da América Latina, e eles continuam insistindo que nem parecem banco. Parecem o quê, cineminha?
Por que os apresentadores de tele-jornais resolveram abrir a boca para dar palpite onde não foram chamados? Por que o Senado está aberto e os cassinos e o lenocínio continuam proibidos no Brasil? Por que vinte milhões de pessoas entorpecidas votam – e pagam pra votar! – no paredão do Big Brother e os alucinógenos são proibidos? Quem disse pro Pedro Bial que ele é erudito? O Boninho é filho do Boni. E o Pluto é filho da Pluta.
Por que a sentença da juíza que condenou Eliana Tranchesi a 94 anos de prisão não incluiu o arquiteto que projetou o prédio da Daslu? Quem disse para a Juliana Paes que ela é bonita? Se os Pirajás da vida não passam de imitações de botecos cariocas, por que os botecos cariocas estão imitando os “bares” paulistas, e o pior: por que os botecos cariocas estão imitando botecos cariocas? Bento XVI vai até a África e condena a bruxaria, e ainda tem gente que se afeta quando ele desaconselha o uso de camisinha. Por que levam o Papa a sério e ninguém dá bola pro Henry Cristho?
Por que em vez de derrubar barracos em favelas, Eduardo Paes não derruba a Estátua da Liberdade da Barra da Tijuca? Por que é liberado o uso indiscriminado de catchup em pizzarias e o consumo de gardenal é controlado nas farmácias? Tem algum problema em ser Palmeirense, morar no Rio de janeiro e torcer pelo Ronaldinho? Por que as janelas do ônibus interestaduais não abrem mais?
Alguém me perguntou se eu queria ar-condicionado? Se eu queria ver “Solteiro no Rio de Janeiro”?
Quem disse pra Penélope Nova que ela é gostosa? Por que essa gente que se acha civilizada e vive pelas ruas catando cocô de poodle não aproveita para catar o cocô dos mendigos também?
Se a coitadinha da Malu Magalhães não consegue articular duas sílabas, por que o show do Miéle e os Cariocas anda vazio? Onde meus colegas escritores torraram a grana dos meus prêmios? Aliás, por que tem tanto picaretinha metido a artista se dando bem por aí?
Por que as pessoas olham para os dois lados antes de atravessar as ruas se elas sabem que do outro lado da calçada é a mesma coisa?
*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.
Marcelo Mirisola*
Semana passada o bicho da insensatez pegou aqui no Rio. Quando a PM subiu a Ladeira dos Tabajaras e matou meia dúzia de homens-animais. Uma redundância. O assunto e as mortes. Eu, como cronista que me obrigo a achar pontos de intercessão entre o lugar-comum e o mínimo de originalidade, fico constrangido em estar afundado até o pescoço no medo e – principalmente – me sinto limitadíssimo em ter de reproduzir o óbvio. Qual seja: por que liberam as novelas da Glória Perez e não liberam o uso da maconha? Por que o Daniel Dantas mora numa cobertura na Vieira Souto e o Marcola passa seus dias em no presídio de Presidente Venceslau? Por que a Ivete Sangalo tem caminhões de som à sua disposição e o Fernandinho Beira-Mar continua incomunicável? Por que não prendem o cirurgião plástico que deixou o traficante colombiano – alguém ainda lembra do Abadia? – com a cara da Hebe Camargo?
O óbvio agride. E que conversa é essa de tripudiar do cadáver do Clodovil santificando-o antes mesmo de apodrecer? Nunca vi um cara ser tão perseguido e ridicularizado em vida como esse Clodovil, e agora – depois de morto – além de estadista, até macho ele virou. Por que proíbem a venda da biografia do Roberto Carlos e todo final de ano a Globo faz um especial com ele? Por que essa gente que manda o Chávez se calar dá tapinha nas costas do Lula, o boca de esgoto? Foi o Ruy Castro quem disse para o Jô Soares que ele é escritor? E quem disse para o Ruy Castro que ele é algo diferente de um bom jornalista?
Por que o Chico Buarque não volta a fazer o que ele sabe? O Unibanco e o Itaú juntos são a maior grupo financeiro privado da América Latina, e eles continuam insistindo que nem parecem banco. Parecem o quê, cineminha?
Por que os apresentadores de tele-jornais resolveram abrir a boca para dar palpite onde não foram chamados? Por que o Senado está aberto e os cassinos e o lenocínio continuam proibidos no Brasil? Por que vinte milhões de pessoas entorpecidas votam – e pagam pra votar! – no paredão do Big Brother e os alucinógenos são proibidos? Quem disse pro Pedro Bial que ele é erudito? O Boninho é filho do Boni. E o Pluto é filho da Pluta.
Por que a sentença da juíza que condenou Eliana Tranchesi a 94 anos de prisão não incluiu o arquiteto que projetou o prédio da Daslu? Quem disse para a Juliana Paes que ela é bonita? Se os Pirajás da vida não passam de imitações de botecos cariocas, por que os botecos cariocas estão imitando os “bares” paulistas, e o pior: por que os botecos cariocas estão imitando botecos cariocas? Bento XVI vai até a África e condena a bruxaria, e ainda tem gente que se afeta quando ele desaconselha o uso de camisinha. Por que levam o Papa a sério e ninguém dá bola pro Henry Cristho?
Por que em vez de derrubar barracos em favelas, Eduardo Paes não derruba a Estátua da Liberdade da Barra da Tijuca? Por que é liberado o uso indiscriminado de catchup em pizzarias e o consumo de gardenal é controlado nas farmácias? Tem algum problema em ser Palmeirense, morar no Rio de janeiro e torcer pelo Ronaldinho? Por que as janelas do ônibus interestaduais não abrem mais?
Alguém me perguntou se eu queria ar-condicionado? Se eu queria ver “Solteiro no Rio de Janeiro”?
Quem disse pra Penélope Nova que ela é gostosa? Por que essa gente que se acha civilizada e vive pelas ruas catando cocô de poodle não aproveita para catar o cocô dos mendigos também?
Se a coitadinha da Malu Magalhães não consegue articular duas sílabas, por que o show do Miéle e os Cariocas anda vazio? Onde meus colegas escritores torraram a grana dos meus prêmios? Aliás, por que tem tanto picaretinha metido a artista se dando bem por aí?
Por que as pessoas olham para os dois lados antes de atravessar as ruas se elas sabem que do outro lado da calçada é a mesma coisa?
*Considerado uma das grandes relevações da literatura brasileira dos anos 1990, formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. É conhecido pelo estilo inovador e pela ousadia, e em muitos casos virulência, com que se insurge contra o status quo e as panelinhas do mundo literário. É autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô e O azul do filho morto (os três pela Editora 34) e Joana a contragosto (Record), entre outros.
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