Opinião

A incompetência consolidada

Editorial do Estadão
O Brasil precisa, sim, de um Estado forte - mas não no sentido que o presidente Lula dá ao termo, praticamente de tutela da área pública sobre a economia. O Estado que faz falta ao País é o Estado eficiente, aquele em que a administração federal trabalhe direito, ou simplesmente trabalhe, para que a intervenção estatal, nas situações em que não pairarem dúvidas sobre a sua pertinência, promova a atividade econômica, em vez de travá-la. Nisso o governo Lula é um rematado desastre - e é só querer para encontrar, nos mais diferentes setores, exemplos desalentadores do que se pode chamar, sem exagero, de incompetência consolidada. Se o PAC, que é o PAC, se move aos solavancos, que dirá de tudo o mais.

Ainda nessa terça-feira, reportagem no Estado mostrou um caso característico de paralisia da intervenção estatal, em prejuízo de uma área considerada estratégica para o desenvolvimento da ciência aplicada no Brasil, pela fartura extraordinária dos recursos naturais que constituem a sua matéria-prima - a biodiversidade, o conjunto das espécies nativas do País. É uma história que remonta a 2001, quando a obsessão com a biopirataria levou à edição da Medida Provisória (MP) 2.186. Ao regulamentar a bioprospecção (a pesquisa com genes e outros materiais biológicos para fins comerciais, por exemplo, como princípios ativos de novos medicamentos), a MP criou um Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen), presidido pelo Ministério do Meio Ambiente. O órgão logo se revelou um estorvo ao trabalho científico.

Chegou-se no governo a um consenso sobre a necessidade de substituir o trambolho - que entre outras coisas obriga os estudiosos a pedir licença ao Cgen, um órgão ambiental, para realizar suas pesquisas de laboratório - por uma legislação que destrave a investigação científica e a inovação tecnológica. A muito custo, apesar das divergências ministeriais e da letargia burocrática, produziu-se um projeto de lei regulamentando o acesso aos recursos da biodiversidade. No primeiro semestre de 2008, o texto foi submetido a consulta pública. Depois, como escreveu o repórter Herton Escobar, "parece ter caído num buraco negro interministerial". No centro desse buraco negro está a Casa Civil, cuja função principal é evitar sua formação.

Em outubro, a proposta, que se encontrava na Casa Civil, voltou ao Meio Ambiente. O seu titular, Carlos Minc, explica que, quando chegou ao Ministério, "esse assunto já estava travado havia dois anos". O projeto que recebeu, diz ele, "é um monstrengo burocrático, com um monte de coisas que não deveriam estar numa lei e com cada Ministério dono de dois capítulos, defendendo o seu feudo". Em resumo, "parecia coisa de capitanias hereditárias". Minc diz que a sua equipe reduziu o texto à metade, removendo "os penduricalhos que só emperravam o processo". Segundo ele, feitas as mudanças, a nova versão foi encaminhada - via Casa Civil - ao Ministério da Ciência e Tecnologia - que nega tê-la recebido. "Isso para mim é novidade", afirma o secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento da Pasta, Luiz Antonio Barreto de Castro.

Não se soubesse o que se sabe sobre o comportamento errático da máquina federal, dir-se-ia que o presumível sumiço de um projeto de lei não seria crível. Mas o que seria uma aberração é perfeitamente plausível nessa estrutura hipertrofiada, sem comando, foco e prioridades, repleta de mesquinhas disputas entre Ministérios e no interior deles, fazendo par com o inchaço de uma burocracia que cumpre religiosamente a lei do menor esforço e que o primeiro dos seus chefes não se cansa de paparicar, dando de ombros para o seu desempenho efetivo.

Mas não é possível esconder o desmazelo o tempo todo. Ora se descobre que até a semana passada, quatro meses depois das chuvas que devastaram Santa Catarina, o dinheiro federal para a reconstrução das casas que vieram abaixo ainda não tinha chegado. "O recurso estará disponível a partir de amanhã", prometera o presidente em 26 de novembro. Ora se descobre que se esfumou um projeto de lei de grande importância para a comunidade científica e a economia. Lula se compraz em oferecer saídas a torto e a direito para a crise econômica mundial, mas não tem a aptidão para cuidar da casa.
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