Coluna da Sexta-feira

Essência

Celso de Almeida Jr.
Na ocasião do ataque as torres gêmeas, assisti Gilberto Dupas ser entrevistado por Boris Casoy.

Num comentário, Dupas sinalizou não acreditar que mergulharíamos numa onda de ataques suicidas em escala mundial, com o terror e o pânico dominando a maioria das pessoas. Para ele, isso contrariava o nosso instinto de sobrevivência e a concepção, já arraigada, de que temos a necessidade de viver em sociedade.

Refletindo sobre o tema eu considerei, ainda, que além da necessidade da preservação de nossa espécie, não nos aniquilaríamos porque a essência humana era boa.

Alguns amigos de cafezinho satirizaram-me.

Disseram-me que, com este pensamento romântico, eu não iria muito longe.

Insisti. Aleguei que a humanidade tem buscado reverenciar aqueles que pautaram a sua vida pela difusão de pensamentos bons: Jesus Cristo, Buda, Maomé, Gandhi, Luther King, entre tantos. Trata-se de um sintoma forte de nossa bondade intrínseca.

Os bons modelos, alicerçados na ética, são duradouros.

Daí a minha crença de que muitos dos males comportamentais que assolam a humanidade serão superados, cedo ou tarde.

O problema é que esse despertar é lento. Nem sempre nossa paciência, nossa perseverança e nossa própria vida resistem a tantos indicadores negativos.

Mas, se a essência for boa e os investimentos maciços em educação ocorrerem, conceitos como corrupção e violência têm prazo de validade. Nestes tempos, seremos mais humanos.

Não externei essa opinião a Gilberto Dupas. Tive a oportunidade de conhecê-lo. Um amigo permitiu que – na sua casa em Ubatuba - eu me encontrasse com este grande intelectual brasileiro, que presidiu o Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais e coordenava o Grupo de Conjuntura Internacional da USP.

A lembrança desse episódio voltou forte, quando soube de seu recente falecimento, aos 66 anos.

O Brasil perde um pensador comprometido com o debate público de alto nível. Em sua homenagem, reproduzo uma fração de seu pensamento:

"Há fortes evidências de que a civilização está em xeque. Urge aos governos e às instituições internacionais tomarem medidas preventivas drásticas imediatas em nome dos óbvios interesses dos nossos descendentes..., mas, como fazê-lo, se o modelo de acumulação que rege o capitalismo global exige contínuo aumento de consumo e sucateamento de produtos, acelerando brutalmente o uso de recursos naturais escassos?...

O dilema é ao mesmo tempo simples e brutal: ou domamos o modelo ou envenenamos o planeta, sacrificando de vez a vida humana saudável sobre a terra".

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