Opinião

O jogo dos reféns

Demétrio Magnoli
Na visita de Lula a Havana, 11 meses atrás, teceu-se a operação diplomática que culminou na Cúpula da América Latina e do Caribe (Calc), no Sauípe, semana passada. O acerto bilateral entre Brasil e Cuba passou menos pelo Itamaraty do que pelos canais diretos de Lula e do PT com os Castros. Os dois lados compartilhavam o interesse de promover uma iniciativa latino-americana que excluísse Hugo Chávez do centro do palco. O presidente brasileiro almejava recuperar a auréola perdida de liderança regional. Os cubanos pretendiam desvencilhar-se do caixote estreito da Alternativa Bolivariana para as Américas, o grupo geopolítico controlado pela Venezuela, que lhes serviu no cenário imposto pelo governo Bush, mas torna-se quase imprestável com o advento do governo Obama.


"Mesmo que nada tivesse acontecido aqui, essa reunião valeu a pena só pelo fato de o Grupo do Rio ter aprovado a volta de Cuba." Lula é muito claro, quando quer. Essencialmente, nada aconteceu na Calc exceto isto: ao incorporar Cuba, o Grupo do Rio extinguiu-se como mecanismo de consulta de países democráticos da América Latina e construiu um novo degrau na escada que conduz ao cancelamento da OEA. O degrau prévio foi a criação do Conselho Sul-Americano de Defesa, também patrocinado pelo Brasil.

A OEA que se tenta cancelar não é mais o instrumento de hegemonia hemisférica dos EUA de outros tempos. Oriunda da época áurea do pan-americanismo, a organização de segurança regional se completou com o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, que servia ao propósito de subordinar as Forças Armadas das Américas ao comando de Washington. O duplo aparato da guerra fria entrou em crise com a Guerra das Malvinas, em 1982, quando os EUA respaldaram a Grã-Bretanha, sua aliada na OTAN, enquanto os países latino-americanos declararam apoio à reivindicação argentina. Mas a OEA reinventou-se no pós-guerra fria, adotando em 2001 uma Carta Democrática, que foi invocada para deter o golpe de Estado contra Hugo Chávez, no ano seguinte. No Sauípe, sob o cobertor puído da retórica antiamericana, ergueu-se uma frente de rechaço aos compromissos costurados na hora da reconstrução da OEA.

O regime cubano contou com a sorte de atravessar a fase inicial da transição de poder provocada pela doença de Fidel Castro na conjuntura de repúdio internacional às políticas de Bush. A eleição de Obama modifica a disposição das peças no tabuleiro, colocando o problema do ingresso de Cuba no sistema das Américas. A solução democrática do impasse exigiria a libertação incondicional dos presos políticos em Cuba, o levantamento igualmente incondicional do bloqueio econômico americano e uma negociação com vista à instauração dos direitos humanos básicos na ilha. Mas Raúl Castro explora uma hipótese diferente: a incorporação de Cuba a instituições latino-americanas, circundando a OEA, e uma barganha paralela com Washington de troca dos presos políticos por espiões cubanos que cumprem pena nos EUA. No Sauípe, contando com os bons ofícios do Brasil, o ditador cubano avançou nesse rumo estratégico.
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