Coluna da Sexta-feira

Sagrado recado

Celso de Almeida Jr.
Neste Natal conversei com Deus. Ele sempre atende quando chamo. Não o incomodo com freqüência, mas, em datas especiais, não resisto a uma prosinha.
Ele está animado. Acredita que o homem tomará juízo. Quando comecei a me contagiar com a divina alegria, murchei. Suas referências temporais envolvem séculos e séculos e a previsão para a calmaria na Terra está projetada para o ano 10500.
Aproveitei para consultá-lo sobre o chororô ubatubense. Ele revelou-se impaciente com o número de orações suplicando um emprego na prefeitura. Orientou-me a não telefonar para o Eduardo ou para o Maurinho. Eles poderiam pensar que eu estou na fila. Sugeriu que revele as minhas idéias publicamente, através do Ubatuba Víbora. Mandou, inclusive, eu ligar para o Sidney Borges, cumprimentando-o pelo alcance de seu blog.
Protestei! Por ser onipresente, por que não dar o recado direto ao Borjão? Respondeu-me que adora os papos com ele, mas que a conversa geralmente se estende, dada a erudição do interlocutor. E, apesar da ubiqüidade, não é simples dialogar com todo o mundo, ao mesmo tempo.
Ilustrando sua onisciência, sugeriu que eu imaginasse pilotar uma nave espacial, a 300 mil quilômetros por segundo, velocidade da luz. Afirmou que se ficasse três, quatro, cinco milhões de anos nesse turismo sideral, em linha reta, partindo de nosso planeta, eu ainda estaria muito, muito, muito distante dos limites do Universo. Alegou que, com uma Criação dessa envergadura, toda a história da humanidade, com suas guerras, seu orgulho, suas vaidades, seus holocaustos, caberia num imperceptível grão de areia. Por isso, admirava-se com a pequenez das preocupações humanas e a graça dos pedidos que lhe chegavam em orações: não permitir que o Vasco caia para a segundona; convencer o marido a não flertar com a secretária; iluminar o gerente do banco a pagar o cheque sem fundos; garantir a presidência da Câmara; conseguir casar com um jogador de futebol, entre tantos outros. Gostaria que nós aceitássemos que, apesar de sua onipotência, em alguns assuntos Ele não deve interferir. Crê que o egoísmo sem fim é o maior obstáculo para a nossa evolução espiritual.
Encerrei a conversa. Não quis enveredar por esse campo que pouco domino.
Ao me despedir, agendei um novo encontro para a quarta-feira de cinzas. É uma data difícil, quando, tradicionalmente, amanheço com a consciência pesada. Ele riu. Não é um Deus carrancudo. Sabe das fraquezas dos filhos amados e, tenho a impressão, diverte-se com elas.
Concluo, justificando ao Sidney Borges, prezado editor, o porquê de não lhe telefonar. Já considero, com o presente artigo, ter cumprido a ordem do Pai.

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