Opinião

Tempos novos no Continente

Editorial do Estadão
O encontro do presidente colombiano, Álvaro Uribe, com Hugo Chávez, marcado para esta sexta-feira em Caracas, é uma robusta evidência - mas não necessariamente a única - da nova topografia política que começa a se descortinar na América do Sul. Passados sete meses do fiasco do referendo golpista do venezuelano, o formidável triunfo do governo de Bogotá, ao libertar, sem um único tiro, a ex-senadora Ingrid Betancourt e 14 outros reféns da organização narcoterrorista que ainda se faz chamar, pateticamente, Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), tirou o gás das bravatas bolivarianas com que o caudilho imaginava se impor aos vizinhos. A estrela que nasce na região é a de Uribe - em tudo e por tudo o oposto do espalhafatoso coronel que não faz muito o cobria de impropérios, como "cínico" e "mentiroso", e agora o chama hermano.
Mas a ascensão do dirigente colombiano não significa que ele, pessoalmente, esteja em vias de se tornar um líder continental, ou que possa alimentar pretensões nesse sentido, na esteira de um eventual (e indesejável) terceiro mandato. Falta-lhe, para tanto, o physique du role; e ao seu país, os recursos de poder que serviriam para projetá-lo além das fronteiras nacionais. O que Uribe incorpora e o que o engrandece - enquanto um apequenado Chávez tenta se recompor do baque sofrido, chegando, para tanto, a ensaiar uma reconciliação com o até aqui odiado Império - são os resultados da determinação de erradicar da Colômbia uma enquistada maldição. Ou seja, o êxito de uma visão política que não nasceu com Uribe, mas dependeu da sua coragem em fazer escolhas estratégicas - o Plano Colômbia, a quatro mãos com os Estados Unidos -, cujo acerto o resgate de Ingrid e dos demais cativos tornou flagrante aos olhos do mundo.
Daí, diga-se de passagem, representarem o proverbial ponto fora da curva os conselhos não solicitados da ex-senadora ao presidente a quem deve a liberdade. Segundo ela, teria chegado a hora de Uribe "mudar esse discurso radical, extremista, de ódio, de palavras muito duras". Os mais de seis anos passados sob o jugo das Farc talvez a tenham impedido de entender que o discurso duro fazia parte de um combate duro, ainda em curso, contra os inimigos do povo colombiano. Agora, em meio às celebrações ao seu redor, ela tampouco parece entender como Uribe completará o desmantelamento da narcoguerrilha - que, ao fim e ao cabo, passará por algum tipo de entendimento com os cabeças sobreviventes do farquismo, dispensadas as malogradas mediações européias. (O chamado alto comissário do governo para a Paz, Luis Carlos Restrepo, disse que não raro os intermediários mais pareciam "conselheiros políticos das Farc".)
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