Nas asas da Panair...
Varig revê drama da Panair 41 anos depois
Em 1965, em meio ao desespero de pilotos e funcionários, empresa que era sinônimo de aviação teve as concessões cassadas. Governo militar entregou vôos internacionais à Varig; livro diz que situação financeira era igual ou melhor que a de concorrentes
Folha de São Paulo - MAELI PRADO DA REPORTAGEM LOCAL JANAÍNA LAGE DA SUCURSAL DO RIO
Há 41 anos, os principais jornais do país também estampavam cenas do desespero de pilotos e comissários. A companhia aérea em questão era a Panair, sinônimo de aviação no Brasil na época, e a história era diferente da que vive hoje a Varig, apesar de esta ser uma das protagonistas do drama que se desenrolava então. Em fevereiro de 1965, o governo militar cassou, de forma surpreendente e arbitrária, todas as concessões da empresa aérea, entregando todos os vôos internacionais até então operados por ela à Varig. A justificativa à opinião pública foi que a situação financeira da empresa era delicada. Mas, apesar de a Panair enfrentar problemas na época, suas contas estavam em situação igual ou melhor que as das concorrentes, como conta o livro "Pouso Forçado: A História por Trás da Destruição da Panair do Brasil pelo Regime Militar", de Daniel Leb Sasaki, lançado em 2005 pela editora Record. As razões para o cancelamento das concessões permanecem nebulosas, mas o autor aponta algumas direções. "Acho que foi uma confluência de diversos interesses, que se articularam. Os maiores acionistas da Panair, que estavam entre os mais influentes empresários do país, pretendiam apoiar a campanha de Juscelino Kubitschek para 1965. Havia também o interesse privado. A Varig, durante os três governos anteriores, tentara obter as concessões para a Europa, sem sucesso", diz. A história da Panair foi completamente esquecida no Brasil. Tanto que, como lembra Leb Sasaki, até o vice-presidente da República e então ministro da Defesa, José Alencar, afirmou no ano passado que a Varig foi a pioneira dos vôos internacionais no país. Foi a Panair, em 1946, que começou a realizar essas rotas. Acompanhe abaixo trechos da entrevista concedida pelo autor.
FOLHA - Os funcionários da Panair se recusaram por um bom tempo, segundo o livro, a ir para a Varig. Hoje, há resistência também dos funcionários da Varig em trabalhar em empresas como a TAM e a Gol. Por que os funcionários das aéreas possuem uma relação tão emocional com as empresas?
DANIEL LEB SASAKI - Empresas aéreas se misturam com o imaginário das pessoas. Em geral, aeronautas [pilotos e comissários] e aeroviários [funcionários de terra] trabalham mais por paixão do que pelo salário. Eles nutrem verdadeiro amor pela atividade e vestem a camisa de sua empresa até o fim. No caso da Panair, eles não se conformavam com o fechamento súbito e inexplicado da companhia. Então, lutaram e lutaram muito. A Varig, que assumiu o título de empresa bandeira, tem forte tradição, não só no Brasil como no exterior. É como se fosse representante do próprio país. Por isso a fidelidade, a coesão e os esforços de seu pessoal em preservá-la.
FOLHA - Quando as concessões foram tiradas da Panair, ela estava em situação financeira muito mais saudável que a Varig hoje. Quais as semelhanças e diferenças que você nota entre os casos da longa crise da Varig e do fim da Panair?
LEB SASAKI - É difícil comparar os dois casos, pois os contextos são diferentes. Em números, a Panair estava melhor, mas a aviação era outra e o mundo era outro. Além disso, e é importante ressaltar, hoje se sabe que a companhia não fechou em razão da condição econômico-financeira, mas por motivos políticos, até porque a cassação veio sem aviso prévio e a falência foi decretada sem que houvesse qualquer dívida vencida ou pedido de credores. Não havia argüição de má prestação dos serviços e os salários dos funcionários estavam em dia. Acho que aquele desfecho antinatural originou um problema crônico para a aviação comercial brasileira. Isso porque a Varig, que passou a deter o monopólio sobre as linhas internacionais, tornou-se verdadeiramente insubstituível. Diferentemente de 1965, se ela parar, não há quem assuma de imediato as rotas para a Europa. Por isso é que o país deve tentar de todas as formas preservá-la. Ou salvamos a Varig ou a curto prazo abrimos o mercado para as estrangeiras.
FOLHA - O que motivou o fim da Panair?
LEB SASAKI - Precisei de um livro inteiro para expressar minha visão. Mas, basicamente, acho que foi uma confluência de diversos interesses, que se articularam. Havia o interesse dos militares em eliminar as lideranças civis. Os maiores acionistas da Panair, que estavam entre os mais influentes empresários do país, pretendiam apoiar a campanha de Juscelino Kubitschek para 1965. Havia também o interesse privado. A Varig, durante os três governos anteriores, tentara obter as concessões para a Europa, sem sucesso. Sem dúvida, foi a maior beneficiária do fechamento da Panair. Ficou com as linhas internacionais, aviões, instalações, as lojas da Europa e o título de empresa-bandeira, iniciando um monopólio no setor.
Em alguns aspectos, o que houve com a Panair ajuda a entender a situação da Varig. Por exemplo, o porquê das mudanças na legislação ontem e hoje. Mas o caso não diz absolutamente nada sobre como se deve dirigir a crise da companhia.O fim da Varig não faria justiça a ninguém. Infelizmente, muita gente perde a mensagem mais importante do livro: o alerta para que a injustiça nunca mais se repita. Vivemos em um regime democrático e acho que as pessoas devem cobrar transparência e questionar contradições, assegurando que nenhum interesse escuso decida, nos bastidores, o futuro da Varig. Seria do interesse público o estabelecimento de novo monopólio, ou duopólio, na aviação comercial brasileira?
Em 1965, em meio ao desespero de pilotos e funcionários, empresa que era sinônimo de aviação teve as concessões cassadas. Governo militar entregou vôos internacionais à Varig; livro diz que situação financeira era igual ou melhor que a de concorrentes
Folha de São Paulo - MAELI PRADO DA REPORTAGEM LOCAL JANAÍNA LAGE DA SUCURSAL DO RIO
Há 41 anos, os principais jornais do país também estampavam cenas do desespero de pilotos e comissários. A companhia aérea em questão era a Panair, sinônimo de aviação no Brasil na época, e a história era diferente da que vive hoje a Varig, apesar de esta ser uma das protagonistas do drama que se desenrolava então. Em fevereiro de 1965, o governo militar cassou, de forma surpreendente e arbitrária, todas as concessões da empresa aérea, entregando todos os vôos internacionais até então operados por ela à Varig. A justificativa à opinião pública foi que a situação financeira da empresa era delicada. Mas, apesar de a Panair enfrentar problemas na época, suas contas estavam em situação igual ou melhor que as das concorrentes, como conta o livro "Pouso Forçado: A História por Trás da Destruição da Panair do Brasil pelo Regime Militar", de Daniel Leb Sasaki, lançado em 2005 pela editora Record. As razões para o cancelamento das concessões permanecem nebulosas, mas o autor aponta algumas direções. "Acho que foi uma confluência de diversos interesses, que se articularam. Os maiores acionistas da Panair, que estavam entre os mais influentes empresários do país, pretendiam apoiar a campanha de Juscelino Kubitschek para 1965. Havia também o interesse privado. A Varig, durante os três governos anteriores, tentara obter as concessões para a Europa, sem sucesso", diz. A história da Panair foi completamente esquecida no Brasil. Tanto que, como lembra Leb Sasaki, até o vice-presidente da República e então ministro da Defesa, José Alencar, afirmou no ano passado que a Varig foi a pioneira dos vôos internacionais no país. Foi a Panair, em 1946, que começou a realizar essas rotas. Acompanhe abaixo trechos da entrevista concedida pelo autor.
FOLHA - Os funcionários da Panair se recusaram por um bom tempo, segundo o livro, a ir para a Varig. Hoje, há resistência também dos funcionários da Varig em trabalhar em empresas como a TAM e a Gol. Por que os funcionários das aéreas possuem uma relação tão emocional com as empresas?
DANIEL LEB SASAKI - Empresas aéreas se misturam com o imaginário das pessoas. Em geral, aeronautas [pilotos e comissários] e aeroviários [funcionários de terra] trabalham mais por paixão do que pelo salário. Eles nutrem verdadeiro amor pela atividade e vestem a camisa de sua empresa até o fim. No caso da Panair, eles não se conformavam com o fechamento súbito e inexplicado da companhia. Então, lutaram e lutaram muito. A Varig, que assumiu o título de empresa bandeira, tem forte tradição, não só no Brasil como no exterior. É como se fosse representante do próprio país. Por isso a fidelidade, a coesão e os esforços de seu pessoal em preservá-la.
FOLHA - Quando as concessões foram tiradas da Panair, ela estava em situação financeira muito mais saudável que a Varig hoje. Quais as semelhanças e diferenças que você nota entre os casos da longa crise da Varig e do fim da Panair?
LEB SASAKI - É difícil comparar os dois casos, pois os contextos são diferentes. Em números, a Panair estava melhor, mas a aviação era outra e o mundo era outro. Além disso, e é importante ressaltar, hoje se sabe que a companhia não fechou em razão da condição econômico-financeira, mas por motivos políticos, até porque a cassação veio sem aviso prévio e a falência foi decretada sem que houvesse qualquer dívida vencida ou pedido de credores. Não havia argüição de má prestação dos serviços e os salários dos funcionários estavam em dia. Acho que aquele desfecho antinatural originou um problema crônico para a aviação comercial brasileira. Isso porque a Varig, que passou a deter o monopólio sobre as linhas internacionais, tornou-se verdadeiramente insubstituível. Diferentemente de 1965, se ela parar, não há quem assuma de imediato as rotas para a Europa. Por isso é que o país deve tentar de todas as formas preservá-la. Ou salvamos a Varig ou a curto prazo abrimos o mercado para as estrangeiras.
FOLHA - O que motivou o fim da Panair?
LEB SASAKI - Precisei de um livro inteiro para expressar minha visão. Mas, basicamente, acho que foi uma confluência de diversos interesses, que se articularam. Havia o interesse dos militares em eliminar as lideranças civis. Os maiores acionistas da Panair, que estavam entre os mais influentes empresários do país, pretendiam apoiar a campanha de Juscelino Kubitschek para 1965. Havia também o interesse privado. A Varig, durante os três governos anteriores, tentara obter as concessões para a Europa, sem sucesso. Sem dúvida, foi a maior beneficiária do fechamento da Panair. Ficou com as linhas internacionais, aviões, instalações, as lojas da Europa e o título de empresa-bandeira, iniciando um monopólio no setor.
Em alguns aspectos, o que houve com a Panair ajuda a entender a situação da Varig. Por exemplo, o porquê das mudanças na legislação ontem e hoje. Mas o caso não diz absolutamente nada sobre como se deve dirigir a crise da companhia.O fim da Varig não faria justiça a ninguém. Infelizmente, muita gente perde a mensagem mais importante do livro: o alerta para que a injustiça nunca mais se repita. Vivemos em um regime democrático e acho que as pessoas devem cobrar transparência e questionar contradições, assegurando que nenhum interesse escuso decida, nos bastidores, o futuro da Varig. Seria do interesse público o estabelecimento de novo monopólio, ou duopólio, na aviação comercial brasileira?
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