Opinião

Conversas de cama

João Pereira Coutinho
1. O REINO UNIDO tremeu com a notícia do fim. No caso, o fim da página 3 do jornal "The Sun", por onde passaram milhares de moças de topless desde a década de 1970.

Uma delas, se o leitor me permite o apontamento autobiográfico, foi a cantora Samantha Fox, talvez a minha primeira paixão adolescente. Anos mais tarde, já na idade adulta, li algures que Samantha, a heroína dos meus sonhos, afinal era lésbica. É nesses momentos que uma pessoa pondera um qualquer processo judicial por danos psicológicos irreversíveis. Mas divago.

Certo, certo, é que o "Sun" voltou atrás com a censura e convidou Nicole, 22, para continuar a tradição da página 3.

As feministas estão compreensivelmente indignadas porque a indignação é o estado natural de uma feminista: a página 3 "degrada" as mulheres e pertence a uma cultura misógina que não tem mais lugar no século 21.

Não pretendo entrar em polêmica com as brigadas, embora não resista a uma pergunta singela: e o que fazer com as mulheres que voluntariamente aparecem na página 3 do "Sun" para partilharem com os súditos do reino as curvas e contracurvas das respectivas topografias?

Não será essa opção uma atitude de "independência feminina" –a aplicação, na prática, do bordão feminista "no meu corpo mando eu" que é usado, por exemplo, nas discussões sobre a legalização do aborto? Ou essa "autonomia" fundacional não se aplica no caso em apreço?

A questão não é simplesmente "filosófica". Porque foram várias as modelos da página 3, presentes ou passadas, que consideraram o fim das fotos de topless um atentado à autonomia das mulheres.

"Quem são as feministas para decidirem em meu nome?", perguntaram elas. Não será essa atitude uma forma de paternalismo perfeitamente comparável ao machismo que as feministas dizem combater?

Por enquanto, a página 3 continua. Mas tendo em conta o clima politicamente correto que contamina os ares destas ilhas, não é de excluir que o "Sun", em nome do multiculturalismo e para não ofender certas religiões, não acabe optando por mulheres integralmente cobertas.

Só espero que, quando esse dia chegar, ninguém afirme sobre as múmias da página 3 a lamentável conclusão machista de que quem já viu uma, já viu todas.

2. Perguntam-me muitas vezes por que motivo abandonei a história da arte para me ocupar da ciência política. A resposta é mais simples do que imaginam: apesar de ter me formado na primeira, considero a segunda mais suave para os meus neurônios.

Comunismo, nazismo, fascismo, islamismo –coisas de criança quando comparadas com "My Bed", a famosa obra de Tracey Emin que, vendida por £ 2,54 milhões (cerca de R$ 9,9 milhões, em valores atuais) em leilão, tem alimentado discussões sérias entre especialistas.

"My Bed", como o título indica, consiste na própria cama em que Tracey Emin dormiu, vomitou, provavelmente urinou, nos quatro dias em que lá esteve deitada. Tudo por causa de um desgosto amoroso que jogou a artista em depressão profunda.

O problema é que alguns estudiosos não estão convencidos da "autenticidade" do trabalho de Emin. Conta o "The Sunday Times", que dedicou uma página ao assunto, que a cama talvez tenha sido feita –ou, melhor dizendo, desfeita "artificialmente" para parecer mais "autêntica".

O caso é de tal gravidade que Martin Kemp, professor em Oxford e uma autoridade em Leonardo da Vinci (juro), comparou as fotos da cama em 1998 (quando foi exibida no Japão) e em 1999 (quando a cama regressou ao Reino Unido).

Martin Kemp não tem dúvidas: existem "incongruências" quando se comparam as fotos. Para começar, as almofadas não parecem ter recebido o peso de uma cabeça humana.

Além disso, os objetos espalhados sobre os lençóis –lingerie, cigarros, preservativos– surgem em lugares distintos nas várias versões da cama.

Mas o pior, para Kemp, é o estado de conservação dos detritos, a começar pelo vomitado. Em poucas palavras, falta o cheiro nauseabundo.

Não sei se Martin Kemp, para chegar a essa conclusão, terá literalmente enfiado o nariz nos lençóis da sra. Emin. Mas de um especialista em Leonardo da Vinci eu só posso esperar profissionalismo à prova de bala. 

Original aqui

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