Opinião

Brasil de Saudade

Leão Serva
"Nas últimas cinco décadas, o Brasil mudou-se para as grandes cidades, tornou-se um dos países mais urbanizados do planeta. Mas seu coração sofre uma nostalgia do campo infinito que ficou para trás: 'Eu quero mais espaço!' Não é por outra razão que os paulistanos elegeram a onça suçuarana como animal símbolo da cidade. As canções populares no país choram a saudade de um amor distante, da casinha branca lá no pé da serra, onde a lua faz clarão..."

A saudade, esse sentimento tão comum quanto misterioso, é o tema de uma interessantíssima exposição de fotos, aberta no último sábado no Itaú Cultural (na Av. Paulista, 149): "A Arte da Lembrança". O conjunto das obras selecionadas pelo curador Diógenes Moura destaca a presença da nostalgia na fotografia brasileira. E prova que o entendimento de uma imagem independe das palavras: as imagens exalam nostalgia desde a primeira fotografia da sala de exposição, de Benício Dias (1942), em que um homem de costas fotografa a imensidão do litoral de Recife.

A saudade é um sentimento profundamente arraigado na cultura brasileira, como destaquei no trecho acima, parte do texto sobre o aniversário de São Paulo, publicado na revista Serafina de ontem. Há um senso comum de que a própria palavra só existiria no português, ideia que foi contestada com a maestria de sempre pelo professor Pasquale Cipro Neto, em sua mais recente coluna.

No artigo, Pasquale aponta que há sinônimos em quase todas as outras línguas. O curioso é que segundo o Google Tradutor, na maioria das línguas, a palavra correspondente é baseada em "Nostalgia", uma palavra montada a partir de raízes gregas em um período recente, como destaca o próprio texto, pelo médico suíço J. J. Harder. Até o coreano, o georgiano, o malaio e o telugo, essas línguas exóticas para os idiomas europeus, adotam pronúncias locais para dizer "nostalgia".

A pergunta que fica é: será que de fato não terá sido quase sempre o português a única língua munida de um conceito para o sentimento de saudade, só recentemente preenchido nas outras línguas por um neologismo? Será que tantos outros povos do mundo sentiam um vazio indefinível quando distantes de casa ou do amor, e por isso adotaram nostalgia?

A saudade está profundamente entranhada no brasileiro desde a herança portuguesa, como prova sua música popular, o fado, sempre chorando a distância, do amor, da terra natal ou de ambos. Mas os brasileiros renovaram essa marca. Diante das evoluções de arranjos e composições, o que ainda une o sertanejo universitário e o brega contemporâneos à música sertaneja tradicional é o choro da distância, sempre, da paixão, do lugar da infância ou dos dois. Também não é um monopólio luso: não é preciso entender grego para sentir a nostalgia nas canções que choram a distância de Esmirna (cidade de que os gregos foram expulsos pelo exército turco, ao final da guerra de 1921). Mas essa coincidência sugere uma chave para entender que a saudade talvez seja essencialmente um sentimento dos povos viajantes, como foram os gregos da antiguidade e os portugueses do renascentismo.

O professor Pasquale, em seu texto, diz que a palavra não é exclusividade do português e afirma que ele mesmo não consegue sentir saudades do Brasil, país que ele vê envolvido em um clima político hediondo. Curiosamente, ele trai aí sua saudade, claro, de um outro país, com outro clima político, em que viveu antes.

É esse país, predominantemente lembrado em branco e preto, que se destaca na mostra do Itaú Cultural. Cheio de problemas mas mais constantemente de alegria.

PS: A definição semiótica de imagem ("a presença de uma ausência", segundo o professor Norval Baitello (PUC-SP), autor de "A Era da Iconofagia" (ed. Paulus), é exatamente o inverso da saudade ("a ausência de uma presença"), o que talvez permita explicar porque usamos imagens para matar saudades.

Original aqui

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