Ramalhete de "causos"

“Ande logo”

José Ronaldo dos Santos
Ontem, 29 de novembro, arrumei um tempinho para visitar o Mané Hilário. Creio que é o mínimo que devo fazer para agradecer pelas tantas oportunidades que este ubatubano me deu para crescer e entender melhor a nossa própria cultura. Escolhi este dia porque neste 1º de dezembro é o aniversário dele: 102 anos.

Apesar da saúde bem fragilizada, encontrei-o bem disposto. Afinal, era o momento do café; sua neta e a nora cumpriram um ritual com muita dedicação. Depois, numa cadeira de rodas, aqueles olhinhos brilharam conforme íamos lhe puxando pela memória. Quis saber de alguns parentes da Maranduba, sobretudo do tio Hilário do Prado; misturou alguns nomes; se lembrou de antigas namoradas. O que mais me emocionou: fui contemplado por alguns versos de Reisado e da Cana-verde.

Há alguns anos, sempre que eu o encontrava sentado no jundu, olhando a praia, também fazia o mesmo e começava a especular sobre um monte de coisas da vivência dele. Quero dizer que ainda não perdi esse costume. Não me esqueci de uma frase dita há muito tempo por Mané Hilário:

- “Sei que o meu corpo é muito limitado. Pode ser que não terei tempo de ir muito longe. Também, se tiver tempo, é a força que me faltará. É assim a vida, né?”.

Desta ocasião ainda trago uma adivinhação para desvendar:

- “Me diga o que é, Zé: seis mortos espichados, cinco vivos passeando; os vivos não dizem nada. Os mortos estão falando”.

Por fim, já percebendo o cansaço do nosso querido personagem, me preparando para deixá-los, a neta dele, Magali, fez a seguinte pergunta:

- Vô, quer comer peixe hoje? (Quem nunca soube vai saber agora: o velho caiçara é apaixonado por peixes. A preferência sempre foi por peixe seco assado com café amargo). Depois de um breve silêncio, recebeu a seguinte ordem do mais antigo caiçara ubatubano vivo:

- Ande logo.

É isso. Viva os 102 anos do Mané Hilário! Parabéns! Parabenizo também os familiares que continuam se preocupando com “o nosso caiçara do coração”.

Sugestão de leitura: Os pobres na Idade Média, de Michel Mollat.

Boa leitura!

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