Gente apaixonada por Ubatuba

O trator (Parte IV)

José Ronaldo dos Santos
Os detalhes dentro de uma narrativa, a partir do meu ponto de vista, são as coisas que mais atraem. Exemplo disso é a forma tão emocionante que a narradora nos apresentou na parte III o seu segundo parto, quando nasceu o filho, cujo nome é o mesmo do pai. Aquela criança hoje é empresário do setor pesqueiro. Jean-Pierre tem barcos, atende a demanda por pescados no mercado de peixes e até mesmo em outras cidades. Neste momento reforço uma característica do município: a pesca. É preciso que os pescadores repensem suas técnicas, assumam novas posições políticas, ecológicas, econômicas, religiosas, etc. para reerguer esta atividade tão tradicional. Por exemplo: já houve tempo em que a festa de São Pedro, mais especificamente a procissão marítima, atraía muitos turistas, mais consumidores para a ocasião. Hoje, grande parte dos pescadores, donos de embarcações, não reflete sobre isso. Existe até o fanatismo religioso que leva alguns desses coitados a deixarem de participar de um evento assim por considerarem pecado. Quem, da geração dos jovens pescadores, já ouviu falar da Festa da Cruz que acontecia na praia do Camburi e atraía multidões até da capital fluminense? Por que, para alguns, até é proibido aventar tais possibilidades de envolvimentos? Assim vão perdendo espaços na mídia, não enxergam oportunidades culturais, deixam de faturar. Infelizmente ainda não refletiram sobre a linguagem que criou o mundo e as culturas. O nosso dever principal é recriá-lo (o mundo) para sobreviver com ele. O certo, por enquanto, é que estamos poluindo muito, destruindo jundus e manguezais, não respeitando os ciclos dos seres marinhos, desrespeitando leis básicas (mesmo que precisem ser aprimoradas). Uma reviravolta nisso tudo está longe de acontecer. Parafraseando um agricultor jordaniano, “é como o desejo do diabo de ir para o paraíso”.

Voltemos à entrevista. Atentemos à fala da dona Silvia. Neste trecho eles apresentaram uma outra novidade nas práticas agrícolas da época: o trator. Naquele tempo só existia tal máquina na Estação Experimental do Horto Florestal. Desconfio que, na década de 1950, era grande novidade para todo o município. Coisa maior só a alegria da criançada trepada na máquina e vencendo os caminhos enlameados entre o sertão e a praia do Ubatumirim!


“Naquele tempo tudo era difícil, mas poderia ser pior se não houvesse pessoas como a Carmem.

Carmem era uma adolescente com quinze anos quando o Jean Pierre nasceu. Desde cedo ela adotou o menino; foi a babá desde o primeiro instante. Nós a levamos para Taubaté e, ela só deixou a nossa casa para se casar. Foi como uma filha. Era gente do Apolinário. Atualmente mora no Jardim Luamar (Estufa II) e está muito bem. É certo que passou por certas dificuldades, mas soube usar a cabeça. Estamos felizes por ela.

Só tem uma coisa que me marcou bastante: a volta com o bebê para Taubaté. Ainda estava toda dolorida e tive que vir de canoa para a cidade, depois embarcar no ônibus para Taubaté e enfrentar tantas horas de sacolejo numa estrada medonha.

Após seis anos plantando, com vários funcionários (Dito Rolim, Melentino...), a plantação estava em franca produção, começando a dar lucro. Surgiu a necessidade de aprimorar o transporte dos produtos. Era o ano de 1958 quando compramos, na Casa Granadeiro, em Taubaté, um trator. Questão: Como trazer o trator para Ubatuba, depois levá-lo até o Ubatumirim? Solução: Desmontá-lo todinho, transportar pela rodovia e pelo mar e, remontá-lo na roça, onde ficou definitivamente.


Aconteceu a melhoria na estrada da Sesmaria para o trânsito adequado do trator. Para levar o trator até o bananal, Jean-Pierre abriu uma estrada de sete quilômetros, sem máquinas, apenas com foices e enxadas. No local denominado “gurita” foi preciso fazer uma ponte de madeira que fosse bem resistente para que pudesse passar o trator puxando a carreta carregada de bananas. Ele ainda ensinou um empregado chamado Freitas a dirigir o trator, dando algumas noções de mecânica; pensava, num futuro próximo, ensinar outros rapazes e montar um curso para a formação de técnicos agrícolas. Foi uma grande novidade. Era gostoso ver o trator repleto de meninos, com o meu marido passeando com eles; lotavam a carroceria. Essa condução era atrelada a um carroção que escoava toda a produção para a praia, onde um barco grande, cujo nome era Manaus, comprava tudo”.
(segue)

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