Tormentas atormentantes (ficção)

Chuva de canivetes

Sidney Borges
O comprimido de Fluoxetina rolou no chão da varanda e parou ao lado da ração do cachorro. Comia o sabiá que ao ver a apetitosa iguaria branca não titubeou em engolir. Há mais de três horas está pousado sobre o muro, calmo, tranqüilo. Esperando a minhoca passar.

Canivetes. Choverão ou não choverão? Tragam-me o guarda-chuva blindado antes que a tormenta cesse. Depois vou a pé. Desviando dos obstáculos cortantes. Nem toda chuva deita e rola. Sempra haverá a possibilidade de que não chovam abertos. Alguém teria de abrí-los. Quem? É preciso maldade no coração para perpetrar tamanha afronta. Talvez um andróide. Sem coração.

Vou contar até um milhão. Uso um relógio que picota uma tira de papel a cada segundo. A tira em movimento espaça um furo a cada centímetro. Disparo o cronômetro e espero. Tic, tic, tic, tic, tic... Uma hora depois confiro. 3600 tics, 3600 furos. Deixo o tempo passar, depois de longas 10 horas o número de tics atinge a marca de 36 000. (trinta e seis mil)

Durmo um pouco, vou à padaria, leio o jornal, trabalho em meu livro e esqueço a contagem. Depois de 4 dias, ou seja, 100 horas, dou uma olhada exatamente quando o relógio marca 360 000 tiques. (trezentos e sessenta mil)

O milhão de tiques é atingido em 11 dias e meio de labuta incessante de engrenagens e rubis. A fita de papel tem um milhão de centímetros de comprimento, 10 mil metros, 10 quilômetros.

Salvei um alienígena engasgado. Ganhei uma máquina que cospe um real a cada segundo. Para receber meu primeiro milhão foram necessários 11 dias e meio chovendo reais em minha horta, sem cessar, dia e noite, noite e dia. Fiquei rouco de tanto cantar chove chuva...

Em 110 dias, 10 milhões. Em 330 dias, 30 milhões. Demorou quase um ano para eu ter 30 milhões de reais em caixa. Vou sair por aí procurando alienígenas engasgados.

Uma dívida de 30 milhões é uma dívida!

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