Deu na Folha

Lula em questão

De Janio de Freitas (original aqui)
Experiente em negociação com Lula, a quem o presidente francês convenceu, com uma só conversa, a comprar 36 aviões caríssimos que nenhum outro país aprovara, o governo francês tem autoridade para "temer que o presidente Lula seja enganado" no Irã, quanto ao projeto nuclear do governo Ahmadinejad.

Mas não é único nessa visão: a imprensa estrangeira está farta em temores, suspeitas e até grosserias mais rombudas do que a francesa. Só aqui o comprometimento do Brasil, por decisão pessoal de Lula, com o risco Irã, está cercado de apatia.

Como princípio, a defesa, feita por Lula, de mais negociações antes de maior bloqueio punitivo ao Irã, é o que há de mais lúcido. Até como denúncia indireta da política americana de prepotência antes de tudo.

Mas o avanço de Lula, sem admitir sequer ressalvas ao Irã, dá razão a questionamentos. De onde, por exemplo, extrai tanta certeza de que o projeto nuclear iraniano é todo ele pacífico, apesar da recusa a inspeções amplas? E há, ainda, a progressão dos níveis de enriquecimento do urânio.

Os indícios de que o Brasil é usado pelo Irã, na protelação de possíveis soluções para o impasse internacional, multiplicam-se há bastante tempo. Somos o país que tem a confiança do Irã para encaminhamento de soluções aventadas, e, se alguma perspectiva desponta nessa linha, logo deixamos de servir.

Uma contradição ilustrativa, nesse sentido, passou em branco por aqui nos últimos dias. Principal conselheiro de Ahmadinejad em assuntos internacionais, Ali Akbar Valayati negou com muita ênfase, na sexta-feira 30 de abril, que o Irã sequer admita negociação para receber do exterior urânio mais enriquecido, em troca de manter níveis baixos (não militares) em suas usinas.

A proposta de negociação, em que o Brasil se destaca, segundo o mensageiro iraniano "demonstra intenções satânicas". Passados apenas quatro dias, Ahmadinejad disse em Nova York, segundo o site do seu gabinete, aprovar a oferta do Brasil de intermediar a proposta de troca de urânio com o exterior. É o jogo em que o Brasil é posto como um pêndulo. Se não combinado, ao menos com aceitação.

Há, porém, mais indagações sobre a atitude de Lula que a da base misteriosa, se existe, para sua insistência em que o projeto nuclear do Irã é só pacífico.

São indagações sobre a relação entre os projetos iranianos e certos outros projetos, não iranianos, que não deixam de ser pacíficos, porque não têm intenções beligerantes. Mas nem por isso são civis, ou para fins civis.

"O Brasil quer para o Irã o mesmo tratamento que quer para o Brasil" - uma frase de Lula com muitos e distintos significados.

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